Introdução
Recentemente ultimei artigo referente às capelas da antiga família Cavalcanti em Florença. Nesta ocasião inventariei importantes peças artísticas encomendadas por esta importante familia florentina . Entre essas peças de arte sobressaíram na ocasião três delas, magníficas – obras que considero historicamente significativas, merecedoras de trabalho detalhado para um publico ampliado - até mesmo visitação especial quando em viagem à Florença.
1- A “Anunciação Cavalcanti” de Donatello e o tríptico que a acompanhou.
2- - Os unicónios do “cazzone” Cavalcanti - o “Triunfo de Petrarca”.
3 - A “Anunciatta” da Piève di S.Pietro - fazenda dos Cavalcanti e Guicciardini em Pitiana.
Com detalhes:
- A “Anunciação Cavalcanti” de Donatello e o tríptico que a acompanhou
Para a rica Capela dos Cavalcanti na Igreja Santa Maria Novella em Florença no ano de 1435 foi encomendada por Nicolò Giovanni Cavalcanti belíssimo auto-relevo em pedra ao então já conhecido escultor Donatello (1386-1466).
O tema da obra, a Anunciação, observamos era já muito caro aos florentinos, e no passado possivelmente também aos francos – pois Santa Clotilde esposa do rei franco Clovis teria tido no ano de 496 um sonho ou visão premonitória durante uma batalha travada por seu marido, e na ocasião teria recebido lírios de anjos, segundo relata sua halografia - episódio muito semelhante à própria Anunciação de Maria (1).
Nicolò Giovanni Cavalcanti o autor desta encomenda da “Anunciação” a Donatello para a capela Cavalcanti nesta igreja de Santa Maria Novella Nicolo fora casado com Contanza Peruggi - moça proveniente de família ainda mais antiga e requintada, de origem etrusca.
O pai de Nicolò, Giovanni di Amerigo Cavalcanti - mais tarde famoso escritor, historiador e genealogista da família (1381-c. 1451) - passara na época, entretanto, por grandes dificuldades econômicas, tendo sido preso por dívidas (2).
Nicolo teve uma irmã Genevra Cavalcanti, jovem pelas dificuldades da família muito oportunamente casada em 1416 com o poderoso Lorenzo de Médici, o Velho (3); e um irmão, Amerigo Cavalcanti, que sabemos escolhido dos “Signori” em Florença no ano de 1451 (4).
Esta antiga capela Cavalcanti na Igreja Santa Maria Novella em Florença, para onde a Anunciação de Donatello fora encomendada, será destruída no século seguinte por ocasião da reforma da Igreja proposta pelos banqueiros Médici - família prepotente que já nesta ocasião acabava com ao sistema Republicano da cidade. A destruição da capela possivelmente uma vingança dos Médici pela descoberta da Conspiração em 1559 liderada por um republicano convicto Bartolomeu di Mainardo Cavalcanti (c.1503 – 1563) acompanhada por famílias florentinas e mesmo vários ramos da família Cavalcanti (5).
Mesmo com a reforma da igreja e a destruição da capela Cavalcanti pelos Médici, a celebre obra da ”Anunciação Cavalcanti” de Donatello foi mantida em seu local original nesta igreja - fato significativo da sua relevância.
O crítico de artes da época Giorgio Vasari (6) que muito apreciava esta obra afirmou sobre a “Anunciação Cavalcanti”, e o próprio talento de Donatello:
“Mas acima de tudo, grande gênio e arte demonstra [Donatello] na figura da Virgem, a qual amedrontada pela súbita aparição do Anjo, move timidamente sua pessoa numa honestíssima reverência, com muita graça dirigindo-se àquele que a cumprimenta, de maneira que se vê no seu rosto a humildade e gratidão que ao inesperado senhor é devido, e tanto o senhor é o mais alto". Do original: “Ma sopratuto grande ingegno et art mostro nella figura della Virgen, la quale impaurita dall´ improviso apparire dell´Angelo, muove timidamente con dolcezza la persona a uma onestissima reverenza, com bellissima grazia rivolgendosi a chi la saluta , di maniera che se le scorge nel viso quella umilità e gratitudine che del non aspettato dono si deve a chi lo fa, e tanto il donno é maggiore”
Ressaltamos que o retábulo da Anunciação estava acompanhado em sua parte inferior por um tríptico, obra também notável - enquadrado em belíssima moldura entalhada, peça que não se encontra mais nesta igreja, atualmente alocada no Museu Buonarroti.
Trítico belissimamente emoldurado que esteve colocado sob a “Anunciação Cavalcanti”, hoje no Museu Buonarroti
Em 1457 Nicolo di Giovanni Cavalcanti
encomendara este tríptico ao artista Giovanni di Francesco (Arezzo, 1412 ou 1428 - Florença, 1458) - uma “tavola”
com três estórias da vida de São Nicola di Bari –num deles tendo como tema o
milagre feito pelo santo relativo a um dote
em benefício de três jovens moças pobres. Este pintor italiano Giovanni
di Francesco em Florença nos meados do século XV
teria freqüentado o estúdio do muito
famoso artista Filippo Lippi.
.
.
Comentado sobre a “predella” (base, estrado) com as histórias de São Nicolau de Bari - “São Nicolau dá o dote a três meninas pobres; São Nicolau levanta três jovens colocados em salmoura por um estalajadeiro; San Nicola salva da execução três condenados a morte’ – Esta obra hoje mantida no Museu da Casa Buonarroti em Florença e considerada a obra-prima do artista.
Não sabemos se o tema escolhido seria pertinente à historia da família Cavalcanti que o encomendou , mas observamos pelo menos sua semelhança com a situação difícil e o casamento de Ginevra, irmã de Nicolo.
As pinturas muito minuciosas comentadas, entre outros críticos de arte por Giorgi Vasari e Roberto Longhi.
Este ultimo chegou a afirmar relativamente a ”predella” “ser um dos melhores trabalhos do autor, também o de figuras mais numerosas do Quattrocento florentino”(7).
Aqui vemos os três jovens apresados salvos da pena de morte por S. Nicola de Bari
O Santo visita uma família com bandeira à porta, notados três jovens em situação precária
Dito que São Nicolau levanta três jovens colocados em salmoura como punição por um estalajadeiro.
Por fim S. Nicola chega para anunciar às moças desoladas a doação de um dote
O Trítico completo hoje no Museu Buonarroti.
A “Anunciatta Cavalcanti” na igreja de Santa Maria Novella e o belo tríptico transferido para o museu Buonarroti são simbólicos do antigo prestígio, cultura e requinte que a poderosa família Cavalcanti, de comprovada origem franca, havia conseguido manter em Florença ainda no sec. XV.
Nesta igreja de Santa Maria Novella encontramos ainda hoje o túmulo de Lorenzino Cavalcanti, escudeiro que havia salvado a vida do Grande Lorenzo em uma conspiração liderada pelos Pazzi contra os Médici no fim do século XV.
Também nesta igreja túmulo de mármore de um Cavalcanti do sec. trabalhado no chão, com belo brasão familiar (8).
- Os unicónios do “cazzone” Cavalcanti - o “Triunfo de Petrarca”.
Para o casamento de sua filha Margarida com Lorenzo di Bernardo Ridolfi, o mesmo Nicolo Cavalcanti que encomendara a famosa Anuciação” a Donatello acima, teria encomendado também outro trabalho notável.
Para o casamento de sua filha Margarida, Nicolo Cavalcanti no ano de 1468 teria encomendado alguns ”cazzoni”, “cassepanche”, baús, para o enxoval da noiva. Um deles trabalho pintado a óleo sobre tábua com cenas relativas ao triunfo do amor - o intitulado “Triunfo de Petrarca” , trabalho artesanal hoje tido como muito precioso e que homenageia o notável poeta Petrarca ( - ), o grande poeta do amor (9).
Na Idade Media os enxovais das noivas desfilavam em procissão pelas ruas até o seu destino. Estes baús de caracteristica muito antiga haviam se tornado de decoração cada vez mais requintada e preciosa, marcando assim o status da noiva. Fonte ligada á historia da arte lembra:
“Esses baús foram dados à noiva pelos pais como contribuição para o casamento. Levando tecidos e bens preciosos, como roupas, jóias e acessórios caros, os baús continham muitos itens que a noiva precisaria e usaria em sua nova casa. O “cassone” foi levado ao lado da noiva acompanhado por seu pai e família pelas ruas de Florença, uma parte importante do ritual do casamento. É para demonstrar a riqueza da família para os cidadãos da cidade, mostrando seu poder e influência".
O magnífico trabalho artesanal do “cazzone” desta noiva Cavalcanti foi atribuído ao atelier de Appolonio di Giovanni e Marco del Buono - artesãos prestigiados na época por seus trabalhos executados com decorações de temas históricos, literários ou mesmo pessoais relativas aos dados familiares.
No trabalho preparado para à noiva da familia Cavalcanti aparecem em uma das tabuas figuras hoje famosas e simbólicas – os unicórnios que marcaram casamentos de elite no período medieval. Considerado um equino fabuloso e benéfico, com um grande corno na cabeça, o unicórnio é associado à virgindade - pois o mito que parece muito antigo na idade media já reporta ser uma donzela pura a única capaz de domar um unicórnio , em cujo regaço obtem repouso e é capturado. O unicórnio tornado símbolo da masculinidade rendida ao Amor e aos vínculos do casamento (10).
Os unicórneos foram, portanto, símbolos muito antigos. O professor medievalista Ricardo da Costa afirma terem sido ja observados nos Bestiários” - "obras que escreveram sobre a fauna, com histórias fantásticas e moralizantes. Incluí o unicórnio, animal maravilhoso descrito por Plínio, “o Velho” (séc. I) – “História Natural”, Livro VIII, 31 – Cláudio Eliano (c. 175-235) – “Sobre as Características dos Animais”, Livro III, cap. 41 – e, naturalmente, pelo bispo Isidoro de Sevilha (c. 560-636), em suas “Etimologias”, Livro 12, 2, 12". Os unicórnios muito em voga na Idade Media e marcaram grandiosos casamentos em tapeçarias famosas, hoje em grandes museus. A encomenda da serie de tapeçarias denominadas “La chasse a lá Licorne” , obra muito famosa realizada mais tarde na França, bem ilustra o tema deste animal mítico que é ao mesmo tempo cristão e cortês, bem demonstrando a natureza e o refinamento moderno renascentista (11).
Artigo de arte sobre os tradicionais “cazzoni” comenta sobre os autores do “cazzone” dos Cavalcanti :
“Apollonio di Giovanni di Tomazzo (ca. 1416-1465) foi um iluminador muito bem sucedido de manuscritos e pintor de mobiliário para palácios florentinos. Teve em parceria com Marco del Buono Giamberti (1403-89), uma prolífica oficina especializada na produção de arcas (cassoni), bandejas comemorativas dos nascimentos (deschi da parto) e painéis dispostos em paredes ou ligados a móveis. Estes eram geralmente pintados com cenas da antiga mitologia grega e romana ou história, mas também incluíam temas inspirados em literatura mais recente, como "Triunfos de Petrarca” e eventos de significado pessoal para seus patronos. Os figurinos e cenários de seus personagens tendiam a refletir as modas contemporâneas” (12)
A primeira cena do famoso trabalho feito para à familia Cavalcanti nos parece especialmente inspirado, e demostra até mesmo a transição entre duas duas eras - pois retrata com raro realismo num bau de casamento a epidemia de d peste ocorrida na Europa, epidemia em sua pior fase acontecida nos meados do seculo anterior. Num carro do cortejo é apresentada de modo já expressionista a própria figura da morte em seu carro, dirigindo bois negros e ceifando vidas - um enterro ao fundo, mortos espalhados por todo a pintura. Um manto negro cobre o carro. A Igreja alva e pura ao fundo, que nada pode.
Estima-se que no século anterior a peste negra tenha vitimado pelo menos um-terço da população européia em geral, sendo o auge da peste acontecendo entre os anos de 1346 e 1353.
O segundo trabalho em contraposição ao momento anterior representa a cena do ”Triunfo do Amor” - cavalos brancos são conduzidos por Cupido, símbolo do Amor que vence a dor e a morte ; também os brasões do noivo da familia Rodolfi reproduzidos neste carro
Finalmente, terminando a terceira das miniaturas, aparece a cena intitulada “Triunfo da Castidade” – onde estão presentes as figuras de dois unicórnios, já simbólicos do rendição masculino ao Amor - unicórneos apresentados na cor vermelho/acastanhada, conduzidos e levados ainda pela figura de Beatriz de Dante, o amigo do celebre poeta Guido Cavalcanti - a figura de Beatriz também simbólica da pureza do amor humano, no meio do carro que ainda reproduz o brasão em cruzetas dos Cavalcanti.
Estes trabalhos artezanais tão minunciosos no ‘cazzone’ da noiva Cavalcanti homenageam Petrarca e Dante são hoje ressaltados no Museo Petrarchesco Piccolomineo, em Trieste.
“Anunciatta” na Piève di S.Pietro à Pitiana, fazenda dos Cavalcanti e Guicciardini.
Uma senhora Cavalcanti casada com um Guicciardini foram proprietários de uma fazenda em Pitiana, Donini, Reggello, no começo sec. XVI, ainda outras terras na Toscana – a fazenda no Regello muito trabalhada produzindo olivas, vinhas, etc.
No recente livro, Il Plebato di Pitiana, Giancarlo Stanzani afirma que no século XVI foi construído um pórtico para a antiga Igreja de Pitiana, onde ainda hoje estão os brasões da família Cavalcanti - colocados ambos nas laterais acima da porta da igreja. A fonte recorda: “Stemma della famiglia Cavalcanti nel portone d'ingresso alla chiesa. La sua fondazione [da Peive de Pitiana] è forse anteriore all'anno Mille e la torre campanaria risulta già esistente nel 1028” (13)
Brasão Cavalcanti nas laterais do pórtico da igreja.
Brasão também dos Guichiardini na casa sede da fazenda
(Fotos Marcelo Bezerra Cavalcanti)
A Piève di Pietro à Pitiana tem, portanto, sua fundação muito antiga, atribuída à piedosa margrave Matilde de Canossa (1046 - 1115) mulher guerreira no posto de margrafe da Tosacana, da família dos bonifácios que haviam descido com Carlos Magno - mulher piedosa, mas também montada e guerreira no sec. XI, ela identificada em nossas pesquisas como uma colateral dos primeiros Cavalcanti documentados em 1045 - a igreja por ela fundada podendo ser anterior ao ano mil, mas a torre campanária do ano de 1028 (14).
O pórtico da pequena igreja com o brasão dos Cavalcanti no alto da porta foi informação obtida pelo pesquisador pela família Marcello Bezerra Cavalcanti - que até mesmo localizou e fotografou os brasões ainda hoje aí existentes (15)
Mas a importância da Piève di Pietro à Pitiana é ressaltada, sobretudo por uma linda pintura, obra do célebre Ridolfo Ghirlandaio (1483-1561), aluno de Fra Bartolomeo e amigo de Rafael - obra encomenda cerca de 1520 tendo como tema a já conhecida e característica “Anunciação” com seus preciosos lírios oferecidos por um anjo - tema de preferência, tudo indica, de florentinos e especialmente dos Cavalcanti, pois se repete em várias igrejas florentinas e em várias capelas dos Cavalcanti (16).
O símbolo da Anunciação e do lírio teriam chegado à península italiana tanto por herança cultural oriental quanto franca. Lembrando que Florença até hoje tem como símbolo à figura estilizada de um lírio.
O simbolismo do lírio vinha de um passado muito antigo associado ao pendão do rei David presente no cântico dos Cânticos, símbolo de pureza e eleição, de escolha; usado na espada de Julio Cezar e também associado a Jesus Cristo - que recomenda a simplicidade do lírio – “olhai os lírios do campo”. No Egito esteve este mesmo símbolo associado à flor-de-lótus. A figura de São Giglio (ou Lírio ou Egidio, c. 650 – c. 710) foi famosa na tradição franca e medieval, até hoje numerosas as igrejas do centro europeu de sua devoção.
Mas o simbolismo do lírio e da Anunciação entre os francos estará presente já em 496 d.C. quando Clotilde, mulher do rei franco Clovis, teria recebido a visita de um anjo portando lírios – episódio em tudo semelhante ao ocorrido com a Virgem Maria (17). Conta a lenda e a hagiografia de Santa Clotilde: em batalha contra os alamanos, o rei Clovis teria invocado o deus de sua mulher Clotilde e assim vencido a batalha de Tolbiac. E enquanto os alamanos se retiravam, Clotilde à distância teria tido uma visão religiosa em que apareciam três lírios brancos - Clovis na ocasião adotado essa flor de lis como simbólica e mantido a sua promessa de se manter cristão. A seguir se fez batizar por S. Remígio, outros 3 000 francos igualmente batizados na mesma ocasião. O rei franco Carlos Magno de dinastia carolíngia, três séculos depois fez duas peregrinações à denominada catedral de “Notre Dame de La Annonciation” de Puy (Auvergne), região da Borgonha onde nascera Clotilde de família antiga borgúndia ligada a dinastia merovíngia – este antigo centro religioso galo–romano do sec.III tornado assim centro de peregrinações.
O lírio cedo se tornou símbolo de poder e soberania da realeza que se fazia por escolha divina - os dotados de pureza do corpo e da alma. Foi adotado na família do rei franco Clovis; pelos condes de Senslis; por Alpaida de Senslis, filha de Luis o Pio; pelos condes de Anjou, descendentes dos condes de Hesbaye no centro franco; tornando–se logo adiante símbolo da realeza francesa.
“Anunciação” de Ridolfo Ghirlandaio, de cerca 1515 em Pitiana
“Anunciação” de Rodolfo Ghirlandaio
Pieve di s. Pitro em Pitiana, Donini, Reggello propriedade agrícola dos Cavalcanti e Guichiardini no começo do sec. XVI.
(O Anjo segurando um lírio, símbolo de pureza)
Acreditamos que a bela “Anunciação” de Ridolfo Girlandaio realizada em c.1515, cujo anjo apresenta um lindo pendão de lírios brancos, ainda hoje na Piève di Pitiana, deve ter sido encomenda por senhora Cavalcanti casada nesta ocasião com um membro da família Guichiardini (Dini?) - a “Anunciação” como observamos foi durante séculos tema de devoção constante na família, família por nós já comprovada amplamente de origem franca. Neste quadro o Anjo apresenta a Virgem um pendão de lírios de grande beleza e ressalte.
Em 1631 a estrutura do presbitério na igreja foi elevada e a cripta tornada em cruz latina (18). Acreditamos que esta obra de recuperação possa ter sido patrocinada pela prestigiosa família Guicciardini, até hoje conhecida como de celebres juristas que, em nossos estudos, como parentes colaterais teriam acompanhado os Cavalcanti até nas ultimas conspirações anti-medici do fim do século XVI, entretanto não diretamente comprometidos (19).
A senhora Cavalcanti que pode ter encomendado o quadro poderia ser uma das filhas do poderoso e rico Giovanni di Giovanni di Amerigo Cavalcanti (n.1448- f.1509) - fato até mesmo sugerido pelo autor do livro acima citado. Este Giovanni foi muito amigo do celebre literato da época Marsílio Ficino e, sendo riquíssimo herdeiro da família, acabou por doar seus muitos bens à Igreja com a revolução social religiosa implementada pelo padre Savanarola em Florença no começo do século XVI. Seria a sua filha Lucrecia nascida 1473 aquela que teria sido casada com um Guicciardini (Dini?)? O autor citado fotografa a tabela de Silvio Umberto Cavalcanti que indica as filhas de Giovanni. Outra das moças, Ginevra, foi casada como parente Mainardo Cavalcanti e mãe do célebre conspirador republicano em 1559, Bartolomeo Cavalcanti (20).
Piève di Pitiana - foto recente de Marcelo Bezerra Cavalcanti
Interior da Igreja de S. Pietro em Pitiana, com a “Anunciação” de Ridolfo Ghirlandaio ao fundo.
Fazenda e casa ainda existentes em Pitiana - foto tirada por Marcelo Bezerra Cavalcanti
Sugerimos ao nosso viajante uma interessante passagem por esta fazenda - visita aos vinhedos e olivais da região, sobretudo apreciação deste belíssimo e significativo quadro de Ridolfo Ghirlandaio, que tudo indica, simbolicamente retoma as origens francas mais antigas dos Cavalcanti.
Notas
(1) Ver mais sobre a rainha franca Clotilde no item 3 deste trabalho, com foto na nota 17. Num camafeu de Alpais, Apelais ou Alpaïda, nascida cerca de 793, abadessa de St-Pierre de Reims, tida como filha do imperador franco Luis, o Pio, com sua concubina Teodolinda de Sens, já aparecem as simbólicas flores de lis estilizadas.
Por informações genealógicas sabemos que Suzanne de Paris, nascida e falecida no Sena, Paris, era filha do Begon de Paris (nascido c. 770- f. 816) chamado também Bigó de Toulouse e Septimânia e Alpais de Paris (c. 793 -) Esta sua mãe Alpais foi esta abadessa de St-Pierre de Reims, tida como filha do imperador Luis, o Pio, com sua concubina Teodolinda de Sens. Susanne teria sido como constatamos nora de Uldarich II – este de linhagem originária wido/udaricher e a descendência dela constatamos da dinastia winiges e berardenga na Toscana - ancestrais comprovadamente de um dos ramos da família Cavalcanti no 1200. Ver nosso trabalho “Os Bernardenga”, publicado no nosso blog http://rosasampaiotorres.blogspot.com/ ainda
Brasão de Alpaïda, em St-Pierre de Reims, c.793.
(2) O genealogista Giovanni di Amerigo Cavalcanti foi casado com Contanza Malaspina, segundo tabela (TavolaCavalcanti) de Silvio Umberto Cavalcanti, SUC, indicação de seu próprio Tratatto.
(3) Sabemos que em cerca de 1460 Donatello executou também um busto da irmã de Nicolo, Ginerva Cavalcanti, quando já idosa, viúva de Lorenço de Médici, o Velho. Fonte SUC pg. 58 e tabela. Mas não sabemos quem teria encomendado este busto de Ginerva a Donatello (seu próprio irmão, ou sua família Medici como sugerido pela critica de arte contemporânea), nem se originalmente foi colocada na capela Cavalcanti - hoje esta escultura está no Museu Nacional de Florença.
(4) Fonte tabela SUC. SUC cita ainda um Nicolo Cavalcanti eleito Prior dos Signori em 1493 e um Nicolo di Giovanni, Podestá de San Geminiano no mesmo ano. Não devem ser, entretanto, o mesmo Nicolò porque as datas respectivas não se encaixam. Há também um Nicolo de Sartano mencionado por SUC. pg.56, no ano de 1456 casado Camilla Morelli.
( 5). Consultar Sampaio torres, Rosa - trabalhos soabre a Conspiração Pucci e Cavalcanti de 1559, todos no blog da autora indicado acima.
(6) Anuciação e Vasari citados por Suc pg. 52.
Giorgio Vasari (1511 —1574) foi um pintor, arquiteto italiano, critico de arte e escritor, conhecido principalmente por sua obra ( biografias de artistas italianos) “Le più eccellenti pittori, scultori e architettori” (As Vidas dos mais Excelentes Pintores, Escultores e Arquitetos) conhecido simplesmente como Vite, publicado em 1550 por Lorenzo Torrentino em Florença.
(7) No original citado por SUC pg. 57 : “non solo il capolavoro dell´autore ,ma anche uno dei più bei numeri del quattrocento”.
(8) O tumulo de Lorenzino referido SUC, pg 52. Para mais detalhes sobre o túmulo e fot consultar artigo Sampaio Torres, Rosa “Guia das capelas Cavalcanti” , em nosso blog.
(9) Sobre esta boda e “calzonne”, SUC pg. 59.
(10) De fonte enciclopédica – “Unicórnio, também conhecido como licórnio ou licorne, animal mitológico que tem a forma de um cavalo, geralmente branco, com um único chifre em espiral. O nome "unicórnio" deriva do latino unicornis: do prefixo uni- e do substantivo cornu, "um só chifre". Sua imagem está associada à pureza e à força. Segundo as narrativas são seres dóceis; porém são as mulheres virgens que têm mais facilidade para tocá-los. A que tudo indica o unicórnio aparece no Oriente Médio moderno, mas teria feito também presença na antiga mitologia indiana e chinesa. Histórias sobre eles seriam referidas entre os gregos, persas e celtas. Na mitologia dos celtas, o unicórnio representava a pureza, a inocência e o poder.Foi símbolo adotado na Escócia junto com o leão. Já no século XV James I o teria adotado como símbolo real. (Ver artigo sem fontes precisas mas com fotos do unicórnio usado na Inglaterra em http://www.virgula.com.br/viagem/unicornios-sao-reais-na-escocia-eles-sao-o-animal-oficial-do-pais-e-tem-ate-dia-festiv)
Certo foi tema de notável recorrência nas artes medievais e renascentistas, o unicórnio, assim como todos os outros animais fantásticos, não possui um significado único. Considerado um equino fabuloso benéfico, com um grande corno na cabeça, o unicórnio entra nos bestiários em associação à virgindade, já que o mito compreende que o único ser capaz de domar um unicórnio é uma donzela pura. Leonardo da Vinci escreveu o seguinte sobre o unicórnio:
"O unicórnio, através da sua intemperança e incapacidade de se dominar, e devido ao deleite que as donzelas lhe proporcionam, esquece a sua ferocidade e selvajaria. Ele põe de parte a desconfiança, aproxima-se da donzela sentada e adormece no seu regaço. Assim os caçadores conseguem caçá-lo."
(11) Enciclopédias e artigos de arte citam peças européias famosas em que os unicórneos são representados. Aqui algumas delas como exemplos semelhantes ao da noiva Cavalcanti:
“La Chasse à la licorne”- Metropolitan Museum of Art
“Caça ao Unicórnio” constitui uma série de sete tapeçarias realizadas entre 1495 e 1505, período que marca a chegada do Renascimento na França. Sete cenas de caça representam em etapas os pontos de um escudeiro perseguindo, e em seguida capturando um unicórnio para levá-la à corte de seu senhor e sua dama. Tapeçarias agora expostas em Nova York, no Metropolitam Museum of Art.
‘La Chasse à la licorne’-
Ainda que discutida a origem desta tapeçaria tecida em oficinas de Bruxelas ou de Liège, acredita-se teriam sido encomendadas pela Rainha da França, Anne de Bretagne, para o seu terceiro casamento em 1499 com Louis d'Orléans.
Sete anos antes a chegada da filha do duque François II na corte de Amboise, jovem criada em refinamento da época, foi tida como um choque cultural do ponto de vista das artes e costumes, e esta encomenda ilustra um tema que já é ao mesmo tempo cristão e cortês - elaborada em torno de um animal cuja magia e simbolismo fascina o século XIII, uma das evidências da natureza dos hábitos adquiridos de refinamento renascentista mais moderno.
The Lady and the Unicorn – Museu Cluny (Musée national du Moyen Âge, Paris) cerca 1500
A Dama e o Unicórnio é o título moderno dado a uma série de seis tapeçarias tecidas em Flandres a partir de lã e seda e de cartões desenhados em Paris por volta de 1500. O conjunto em exibição no Museu Nacional da Idade Média (que forma o Museu de Cluny) em Paris é frequentemente considerado mesmo uma das maiores obras de arte da Idade Média na Europa. Cinco tapeçarias representariam os cinco sentidos - gosto, audição, visão, olfato e tato. O sexto exibe as palavras "Para meu único desejo". O significado desta sexta tapeçaria é obscuro, mas foi interpretado como representando o amor ou compreensão.
Afresco “A Virgem e o Unicórnio” -, Domenico Zampieri, c. 1602. (Palazzo Farnese, Roma).
(12) Sobre os trabalhos do atelier de Appolonio di Giovanni acompanhado por Marco del Buono consultar o Artigo de arte “Cassone with the Conquest of Trebizond”
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Reproduzimos deste artigo as duas fotos abaixo de um do “cazzone” com o tema da “Conquista de Trebizond”, peça ainda intacta - tudo indica encomenda pela familia Strozzi . Membro desta rica e famosa familia de banqueiros florentinos teria participado do episódio histórico, provavelmente o irmão de Vanni di Francesco Strozzi, que viajou para Constantinopla e Trebizond em 1462 [conforme Ref. Paribeni 2001] e que teria o encomendado ao atelier de Apolônio para seu casamento.
O requinte da peça- tambem decorada por dentro
(13) Matilde da Toscana ou Matilda de Canossa (1046 - 1115), filha de Bonifácio III da Toscana e Beatriz de Bar, foi figura feminina histórica que o poeta Dante Alighieri irá simbolicamente colocar em seu Paraíso. Muito rica herdeira, Matilda teve que assumir o papel de cavaleira armada, guerreira da marca da Toscana em virtude da morte de seu pai, irmão e marido. Na chamada “Questão das Investiduras” junto ao papado Matilde deu prova de grande firmeza e foi tida como uma das poucas mulheres medievais a ser relembrada por seus feitos militares. Também grande benemérita, foi apelidada La Gran Contessa. Seu pai era da linha dos Bonifácios, mas já um hucpolding, linha que temos como também ascendente dos Cavalcanti. Fora casada a primeira vez com Geoffrey IV (Hunfrid,Godfrid ou Godofredo) da linhagem dos combativos hunfridings, ancestrais também dos Cavalcanti e dos plantagenetas. Teve um segundo casamento com Guelfo II, da dinastia guelfa, esta linhagem igualmente derivada da linhagem comum - os wido de Hesbaye. Matilda doou seus bens à Igreja e após sua morte seus domínios tornam-se Repúblicas, como a de Florença, republica que foi avalizada pelos Cavalcanti como primeiros Consules. Ver comentários pertinentes e esclarecedores sobre sua personalidade pela especialista em Dante Alighieri, Barbara Reynolds - Dante, já traduzida pela Ed.Record, S.P., 2011, pg. 438, capitulo “Quem é Matilda?”.
A análise genealógica de Matilde baseada em nossas próoprias pesquisas sobre a família Cavalcanti, já apresentada já em vários artigos: “As tradições de origem no centro franco das famílias Cavalcanti e Monaldeschi”, publicado na revista InComunidade, edição n. 57 de julho de 2017; “As famílias Cavalcanti, Monaldeschi e Malavolti e suas origens no reino franco, Colônia, sec. VIII”, “Os Berardegas”, no blog http://rosasampaiotorres.blogspot.com/ , ainda “Propriedades dos Cavalcanti na Toscana” e “As linhas francas descidas para a Itália com Carlos Magno”,estes dois últimos ainda inéditos, entre outros.
(14) Giancarlo Stanzani. Il Plebato di Pitiana, Storia del territorio dalle origini al XVIII secolo".Bibliografia cedida e foto realizada por Marcelo Bezerra Cavalcanti.
(15) Informações e fotos realizadas por Marcelo Bezerra Cavalcanti no ano 2017.
(16) conclusões de nosso trabalho “Guia das Capelas Cavalcanti”, editado em nosso blog.
(17 ) Clotilde da Borgonha ou Rotilde (em latim Chrotechildis, Chrodechildis ou Chlodechildis; Lion, 475 - Tours, 3 de junho de 545) rainha dos francos, segunda esposa de Clóvis. Ela era princesa da Borgonha, filha de Quilperico II. A ela atribuída a conversão do marido ao catolicismo.
Conta a lenda: Em uma celebre batalha contra os alamanos, o rei Clovis teria invocado o deus de sua mulher Clotilde, e vencido essa batalha de Tolbiac em 496 d.C. Mas no momento em que os alamanos se retiravam, Clotilde a distância teria tido uma visão religiosa em que apareciam três lírios brancos, flores que Clovis adotou depois como simbólicas, mantendo a sua promessa de se manter cristão. Nesta ocasião se fez batizar por São Remigio, e outros 3 000 francos também batizados na mesma ocasião.
Algumas representações do Lirio nas artes plásticas.
Afresco minoano, de Akrotiri, Santorini ( Thera) Arquipálago das Cyclades, Grecia.
Brasão de Alpaïda, em St-Pierre de Reims, c.793 (Ver nota 1).
Representação pictórica de Sta. Clotilde e sua visão.
Anunciazione - Lucca Sinorelli (1490-1491), Volterra, Pinacoteca Cívica
Ticiano (Tiziano Vecellio, c. 1473/1490)
El Greco (“O Grego”, 1541 — Toledo,Espanha 1614)
(18) Informações locais sobre a igreja, ainda fontes enciclopédicas.
(19) Conclusões do nosso trabalho “Accademia del Piano”, editado na revista Incomunidade ... , baseado em documentos de época obtidos na Biblioteca Nacional de Florença através o pesquisador pela família Marcello Bezerra Cavalcanti.
(20) Informações sobre Giovanni Cavalcanti, avô materno de Bartolomeu di Mainardo Cavalcanti em meu trabalho “Bartolomeu Cavalcanti” e no blog e na revista Incomunidade.
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