“A morte é dura, a fama é eterna, duradoura
será a memória do fato.”
As lutas pela manutenção do sistema
republicano das cidades-estado italianas no fim do século XV e no século XVI,
foram mesmo duras e dramáticas, dificilmente esquecidas.
Lembramos que a frase acima citada fora pronunciada
pelo jovem, culto e consciente republicano Girolamo Olgiati que, com
companheiros, assassinou o tirânico duque Galleazzo Sforza, duque de Milão, fato
ocorrido na própria Igreja de S. Estevão em 26 de dezembro de 1476.
A frase foi propositadamente pronunciada em
latim, enquanto Olgiati era mantido nu frente ao carrasco encarregado de
retalhá-lo (1). Olgiati pretendia referir-se
a atuação de Brutus, celebre republicano do passado romano.
Dois anos depois deste episódio em Milão, e
ainda sob a influência desta tragédia, teremos a ocorrência de uma outra
celebre conspiração ocorrida em Florença contra a família Medici, já então extremante
dominante nesta Republica - a denominada conspiração Pazzi - que matou Giuliano
Medici e feriu Lorenzo o Magnífico, atentado ocorrido igualmente de forma simbólica
dentro de uma igreja - forma política da época de protesto contra a tirania e
que colocava mesmo Deus como testemunha de uma pureza de intenções (2).
Comentários sobre estas
tentativas de morte de tiranos que ameaçavam o sistema republicano ocorridas em
cerimônias religiosas e já tidas como simbólicas, haviam sido realisados no livro
O Cortesão do ano de 1528 por Baldassare Castiglione, hábil diplomata a
serviço mesmo do papa Medici, Clemente VII (1478-1529), obra muito difundida
nas cortes da época.
A utilização da figura e da efígie de Brutus
como símbolos de Republica (3) foram recorrentes na península italiana, neste
período, então engajada numa luta pela manutenção de suas Republica-Estado mais
famosas: Genova, Florença, Siena, Lucca.
No ducado de Milão a questão
republicana havia se colocado no curto período da “Republica Áurea Ambrosiana”,
1447-1450, e na tentativa comentada acima de Girolamo Olgiati em 1476. A
“Sereníssima República de Veneza” foi a mais duradoura - no modelo “ottimati” e
talvez por isto mesmo a mais “serena” do período (c. do século VIII ao domínio
napoleônico, 1797). Florença por duas vezes, nos curtos períodos denominados
Primeira e Segunda Republica (1495-1512 e 1527-1530), chegou mesmo a apear os
Medici que descaracterizavam sua tradição autenticamente republicana.
A Republica de Genova passou, também, por um processo político de extrema violência e degenerou em uma oligarquia, mantendo-se mesmo assim do século XI até 1797.
Sabemos ainda que Francisco Burlamacchi,
um Gonfaliero de Justiça da Republica de Lucca, na Toscana, foi decapitado no
ano de 1548 por haver conspirado com os irmãos Strozzi visando à união das
Republicas vizinhas contra Cosme I e o Sacro Império – personalidade ainda hoje
lembrada com estátua que marca, na cidade de Lucca, sua atuação sincera e republicana.
Sistemas republicanos mantiveram-se, entretanto,
com sucesso fora da península italiana - e aí o processo se deu,
contrariamente, em sucesso crescente: a “Confederação Helvética”, do séc. XIII
até hoje; a “Republica das Duas Nações” - Polônia e Lituânia (1569-1791); a
“Republica de Ragusa”, em Dubrovinik na Croácia (1358-1808); as “Províncias
Unidas dos Paises Baixos” (1579-1795) – e a partir desta data” Republica Bávara”,
posteriormente socialista/comunista de 1918 até maio 1919.
Devemos notar que a experiência republicana
inglesa foi curta (1641-1652). A 1ª Republica francesa de 1792 a 1804; a norte-americana
de 1789 até hoje.
Mas a “Republica de Siena Retirada para
Montalcino” na Toscana, a primeira experiência de caráter realmente popular, mantida
a partir de agosto de 1554, acabou por findar em 1559 vencida pelas forças dos
prepotentes Medici associadas às forças militares do Sacro Império. Tornou-se aquela
experiência então muito significativa, tida a região onde ela se estabeleceu hoje
um “Patrimônio Universal”.
Lembramos que, depois da derrota na batalha
de Scannagallo em agosto de 1554, centenas de famílias sienenses haviam resistido
pela Republica e se juntado às forças do comandante ferido Piero Strozzi, apoiado
pelos franceses, e que se recuperava de ferimentos na fortaleza de Montalcino. Por quatro anos estas famílias, abrigadas na celebre
fortaleza, viveram e resistiram pela liberdade, ordenando-se nas regras
republicanas populares que então já provinham da própria Republica de Siena.
Mas, em 1559, teve fim esta experiência da “República Popular de Siena Retirada
para Montalcino” episódio histórico representativo.
Com a paz de Cateau Cambrésis estabelecida entre a França e a Espanha em
abril de 1559, esta região foi cedida financeiramente pelos espanhóis à Cosimo
I. Este estrutura, finalmente, o tão almejado
Grão-Ducado da Toscana, projeto de poder ansiado por sua família há já várias gerações.
Não podemos esquecer que, no
mesmo ano da destruição desta Republica Popular de Siena, 1559, ocorreu também em
Florença ainda a desesperada e simbólica Conspiração “Pucci e Cavalcanti” – e como
já característica do período contra a tirania, preparada também para eclodir
numa cerimônia religiosa.
Com a descoberta desta terrível conspiração
contra Cosimo I de Medici, liderada pelo tenaz Bartolomeo di Mainardo
Cavalcanti, agonizou nas mãos dos Medici a já tão descaracterizada Republica
florentina.
E a “Conspiração Pucci e Ridolfi”, em 1575,
seria a ultima tentativa de apear, já agora, os filhos de Cosme I do poder. Mas
os conspiradores envolvidos neste episódio foram ainda mais reprimidos do que
nas conspirações florentinas anteriores - de forma extremamente pertinaz e
tirânica foram caçados por mercenários e sicários
dos herdeiros Medici por toda Europa - o republicano Piero di Alessandro
Capponi após ter peregrinado por toda a Europa, da Polônia à Inglaterra, foi
alcançado ainda na França vários anos depois, já em 1582, aí também apunhalado.
Benquisto pela rainha inglesa, Elizabeth I, Piero Capponi teria sido sepultado
em Londres. (4).
Notas
(1) Relato detalhado em Nicolau
Maquiavel - Historia de Florença, livro VII, capitulo “A morte do Duque”.
(2) Relato detalhado em Nicolau
Maquiavel – História de Florença, livro VIII, capítulo “Desfecho na
Igreja”.
(3) Marcus Julius Brutus, filho
adotivo do Imperador Julius Cesar que, em 44 a.C., com muitos outros senadores,
apunhalou o pai, acusando-o de antirrepublicano e ditador.
(4) O assunto da luta
republicana, no enfoque especialmente relativo aos Medici e Cavalcanti, está todo
contextualizado e com fontes citadas em Torres, Rosa Sampaio – artigos
“Conspiração Pucci e Cavalcanti” e “Médici X Cavalcanti” que incluem estudos também
sobre a Conspiração Pucci e Ridolfi de 1575. Ainda o próximo artigo da mesma
autora “Hipótese de Migração”.
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