Giovanni di Lorenzo Cavalcanti e seus filhos Filippo, Shiatta e Guido

Grande curiosidade nos provoca o ramo familiar dos Cavalcanti de Florença que se translada para o Brasil Colônia, na figura de Felippo Cavalcanti. Uma série de informações reunidas por pesquisadores profissionais, ou mesmo amadores, permite hoje, sobre este translado, recriar pano de fundo interessante e facetado.


Recordamos que os últimos anos da virada do século XV haviam sido marcados, em Florença, pela resistência republicana ao predomínio absolutista dos Médici. Se bem que aparentados desta família, os Cavalcanti apresentavam comportamento crítico aos Medici, pelo menos desde 1450. Lembramos também que todos os matizes republicanos, com as quais os nobres e ricos Cavalcanti haviam durante vários séculos convivido, culminavam, agora, em Florença, com experiências republicanas novas e radicais como a de Savanrola e a do período de 1527-30. Destas experiências políticas inéditas os Cavalcantis, mais uma vez, participavam pelo menos por dois ramos. (1)

Tentaremos fazer luz sobre as condições de vida do nosso ramo de Cavalcanti mais próximos a nós que, ainda na Europa, tenta sobreviver escapando de Florença, no início e meados dos anos 1500, em clima de conflito e violência. Compondo um verdadeiro quebra-cabeça de fontes variadas, buscaremos delinear a figura de Giovanni Cavalcanti, pai de Filippo, cuja experiência é no mínimo curiosa e ilustrativa:

Giovanni Cavalcanti, comerciante e financista de cultura artística precoce e muito ampla, nasceu em Florença em 8/10/80. (2) Era filho de Lourenço de Filippo Cavalcanti e de Contessina Peruzzi, esta descendente de rica e tradicional família de banqueiros florentinos. (3) Seu ramo Cavalcanti era ligado, por casamento também aos Albizzi. Giovanni, filho primogênito de Lorenzo, teria tido um outro irmão Schiatta e várias irmãs. (4)

Seus ascendentes paternos haviam já ultrapassado as dificuldades políticas maiores da família Cavalcanti nos séc. XIV e XV e, neste fim dos anos 1400, gozavam novamente de seus privilégios magnatícios, de nobreza, e refinamentos. Assim sendo, entrevemos o perfil do jovem Giovanni: verdadeiro fruto da Renascença, com educação humanista sofisticada, possuidor de uma sólida cultura artística, política e financeira, trocando cedo correspondência com literatos da época, versando sobre variados temas estéticos (5).

Porém, em 1509, este jovem erudito de vinte e nove anos se havia transladado para Londres, onde se estabelecer comercialmente com os Bardi, tradicional e rica família de banqueiros de prestígio, talvez já em declínio. Giovanni Cavalcanti, como sócio da Bardi-Cavalcanti atuava no comércio exportador florentino de objetos de arte, tecidos suntuosos e jóias. (6)

Sem pretendermos tirar maiores conclusões, notamos apenas que esta transferência comercial de Giovanni Cavalcanti corresponde ao período final da República de Savanarola em Florença, quando objetos de arte, belos quadros e ricos tecidos haviam sido queimados em fogueiras pelas ruas, período de plena república em que seus parentes de outros ramos, também de prestígio em Florença, Giovanni di Nicolò e Mainardo Cavalcanti, participavam como dirigentes.

Neste ano, 1509, em Florença o conflito contra o papado parecia inevitável. Teriam seus pais querido afastá-lo de ambiente violento e perigoso, preocupada com o aliciamento político do jovem por seus parentes Mainardo Cavalcanti, assim evitando comprometimento radical frente aos Médici, ainda que estes estivessem afastados do poder em Florença? O certo é que o estabelecimento de Giovanni na Inglaterra era, no mínimo, oportuno. (7)

Em verdade, Giovanni Cavalcanti se transladava para a corte de Henrique VIII como elemento de confiança e acompanhante (“gentleman uscher”) do jovem cardeal Giovanni de Médici, seu patrono desde uma permanência anterior em Roma. (8)

1509 é também, e paradoxalmente, o ano de ascensão de Henrique VIII na Inglaterra, trazendo nítidas características renascentistas de luxo e práticas de mecenato.

Neste sentido, foi natural que Giovanni, com seus especiais pendores artísticos e tirocínio estético, aliados à prática comercial, tivesse obtido desde logo a simpatia e mesmo subvenções de Henrique VIII como provedor de bens os mais diversos, inclusive variado armamento. Paralelamente desenvolvia Giovanni, também, atividades artísticas de patrocínio. Teria ele empresado e trazido, para Londres, o escultor Pietro Torrigiano autor do busto de Henrique VII, ainda hoje no Victoria and Albert Museum. (9)

A experiência da primeira República terminara em 1512 e os Médici haviam voltado ao poder em Florença.

Em 1513 seu protetor, o Cardeal Giovanni Médici, de muito discretas simpatias “popolanas”, é escolhido papa, Leão X. (10).

E Giovanni Cavalcanti, durante vários anos continuou prestando serviços para este papa Medici como seu ”cubiculari”, “camerieri segreto papal”, na Inglaterra, gozando sempre da simpatia e prestigio do rei Henrique VIII, atuando em encargos de confiança, empresando artistas italianos para a realização de um projeto de mausoléu encomendado por Leão X para o rei inglês. Por fim Giovanni di Lorenzo Cavalcanti deslocava-se, mesmo, em atividades de caráter diplomático, harmonizando os interesses comerciais Medici-florentinos, ingleses e papais. Suas atividades de comerciante, financiador de artes e diplomata informal na Inglaterra, são muito bem detalhadas e analisadas pela historiadora Cinzia Maria Sicca. (11)

Em 1520, o rei Henrique VIII da Inglaterra fará mesmo a Giovanni Cavalcanti um acrescentamento de armas.

Em 1521, ano em que morre o papa Leão X, seu protetor, Giovanni Cavalcanti, já com uns quarenta e um anos, estará de volta à Florença onde se casa então com Ginevra, filha de seu parceiro de negócios Francisco di Lionardo Manelli, família muito antiga e gibelina, atuantes na produção e comércio de seda. (12).

Em 1522, a firma Bardi–Cavalcanti, em Londres, recebe nova licença de Henrique VIII para a importação de objetos de luxo e, mesmo, jóias florentinas com que o rei se faz retratar. (13)

Porem, já em 1523, a casa Bardi-Cavalcanti londrina, a mando do cardeal Giulio Médici, futuro papa Clemente VII, passa por um rigoroso inventário, ocasião em que Gregório de Casale, representante da cúria na Inglaterra, e Gabriello Caxano, secretário de Giulio, fizeram pormenorizado arrolamento dos bens da casa, durante seis meses e meio. (14)

Sabemos que, em 12/6/1525, nasce em Florença o primeiro filho de Giovanni Cavalcanti, Felippo, batizado na Igreja de Santa Croce. (15).

Nesta ocasião os Médici ocupavam o poder, em Florença, pelo próprio Giulio Medici (agora já papa Clemente VII) e seus prepostos: o jovem Ipólito Médici sobre controle de Luigi Passerini. Nesta ocasião Clarice Médici-Strozzi reclamava já publicamente da administração de seus parentes Medici tidos por ela como incapazes. (16)

Segundo o historiador Benedetto Varchi, em 26 de abril de 1527, Giovanni Cavalcanti teria participado também, entre muitos cidadãos, do “tumulto do Venerdi”, ocasião em que lideranças florentinas exigiram a volta da constituição de 1512, pretendendo a queda dos Medici. (17)

Giovanni di Lorenzo escolhera, por fim, a luta pela liberdade de sua cidade, afirma a historiadora Cinzia Sicca, cidade por fim rebelada frontalmente contra os Médici num governo de plena Republica. (1527-1530)

Em 17 de setembro deste mesmo ano, 1527, nasce também um outro filho de Giovanni, Schiatta, em Florença. (18)

Surpreendentemente para nós, no ano de 1528, 24 de novembro, recebe Giovanni di Lorenzo uma resposta por carta do Rei Henrique VIII a solicitação sua para que interviesse no “injusto” arresto de seus bens naquela cidade. Esta resposta de Henrique VIII a Giovanni Cavalcanti não poderia ser mais afetuosa e solidária, prometendo providências diplomáticas. (19)

O motivo do arresto destes bens e a data precisa em que este arresto teria ocorrido, não ficam explicitados na carta-resposta de Henrique VIII e os desdobramentos do episódio não ficam claros para nós, ainda que possamos fazer suposições ligadas à situação política de Florença. (20)

Giovanni Cavalcanti teria utilizado, politicamente, sua função de financiador e mercador de arte exportando o pintor Il Rosso (1496-1540) que usava temas bíblicos, simbólicos de liberdade, depois exilado na França. Sabe-se pelo historiador de artes da época, Giorgio Vasari, que Giovanni encomendou, em Florença, um quadro a Il Rosso com características típicas renascentistas, certamente o quadro “Rebecca al Pozzo”, que foi levado para a Inglaterra. (21) (22)

Sabemos também Giovanni tentou, também, retomar projetos artísticos para o túmulo de Henrique VIII, visando atraí-lo para a causa anti-medici.

Lembra Cinzia Sicca:

“However, Cavalcanti´s loyalty to Florence prevailed over that to the Medici. When it became obvious that his home town was suffering under medici rule, he supported the city outright. The artistic agency that he had deployed over the years at the English court, and which had been driven by business considerations, became a further tool to be used win Henry VIII over to the Florentine cause.”(23)

Mas a situação política florentina se agravava com a nova experiência republicana tornada cada vez mais radical. A cidade foi duramente cercada pelas forças do imperador Carlos V por onze longos meses, cidade já enlutada pela peste. Durante este último período de plena República em Florença, os membros da família Cavalcanti, do ramo de Mainardo Cavalcanti e seu filho Bartolomeo, este convicto republicano, haviam se comprometido, mais uma vez, em cargos de prestígio.

Com a capitulação da cidade em 1531, e a intervenção do papa Giulio Medici, (Clemente VII) os Medici retornam ao poder em Florença, na figura de Alessandro.

A convivência, em Florença, teria ficado cada vez mais difícil para Giovanni di Lorenzo e já sua pequena família, com certeza questionado e incomodado pelo prepotente Alexandre Médici, comprometido alem do mais por sua parentela Cavalcanti, decididamente anti-medici e republicana. A historiadora Cinzia Sicca supõe que Giovanni teria deixado Florença, novamente, entre 31 e 32. (24)

Em 1532 encontraremos de novo Giovanni Cavalcanti comerciando em Londres, na companhia Bardi-Cavalcanti. (25) .

Teria conseguido colocar, em 1533,com o auxilio do seu parente republicano convicto, Bartolomeu di Mainardo Cavalcanti, um dos seus pequenos filhos como pajem no cortejo que acompanhava Catarina de Medici para seu casamento na França. (26)

E, politicamente mais experiente, teria em Londres continuado a se relacionar com outros comerciantes e banqueiros florentinos auto-exilados, frequentadores desta corte, inclusive seu parente o banqueiro Tomasso Cavalcanti, por volta de 1544 o maior credor de Eduardo VIII. (27)

Giovanni Cavalcanti teve, com Ginevra Mannelli, Felippo (1525), Schiatta (1527) e Guido – o último provavelmente também nascido em Florença, não sabemos em que ano - transportados para a Inglaterra antes de 34. (28) Ginevra Mannelli, teria se juntado ao marido em outubro de 34 e viajado para a Inglaterra apenas com uma filhinha pequena. (29) Um quarto filho homem, também de nome Giovanni, teria ainda nascido na Inglaterra. (30)

Giovanni di Lorenzo Cavalcanti virá a falecer em Londres, auto-exilado, em 1542. (31)

Schiatta di Giovanni Cavalcanti, ao que tudo indica ,continuará em Londres os negócios da casa comercial do pai, após sua morte. Em 1546 tem aí licença renovada, com seu irmão Guido, para comércio de jóias e objetos de arte.

Sabemos que ambos tentaram continuar a exercer, paralelamente, na corte inglesa, as atividades comerciais e diplomáticas informais já anteriormente exercidas pelo pai. Schiatta trabalhou com Guido, para a corte inglesa, em várias atividades diplomáticas e de facilitação comercial, detalhadamente descritas pela historiadora Julia de Lacy, nos anos 59, 61 e 63. As negociações dos irmãos, ligadas ao tratado de paz de Cateau Cambresis, em 1559, foram apreciadas pela rainha inglesa e, mesmo, recompensadas financeiramente. (32).

Teremos mais notícias de Schiatta em Amsterdã em 1563 - depois, portanto, da vinda de seu outro irmão Felippo para o Brasil (1560) - tratando de previlégios para refino de sal, obtidos por meio da duquesa de Parma. Neste mesmo ano de 63, Schiatta casou-se com Ipólita di Bernardo Romei de Castiglione, de ilustre família. Terá com ela dois filhos: Alessandro e Lisabetta. (33)

Ainda em 1563, seu irmão e companheiro de negócios Guido di Giovanni Cavalcanti, possivelmente já com dificuldades financeiras, foi chamado ou talvez convocado, pela Rainha da França Catarina de Medici e, então, enviado pela rainha inglesa Isabel I em missão diplomática de pacificação para a corte francesa. (34)

Catarina de Medici era, na ocasião, regente de seu filho Carlo IX. É possível que a experiência e a amizade de Giovanni di Lorenzo com o papa Leão X, tio-avô de Catarina, fosse um dos motivos deste convite ao jovem Guido que, aparentemente, já apresentava as mesmas características do pai, a mesma vocação: “doublé” de comerciante e diplomata, experiente nos meandros políticos ingleses, franceses e florentinos. Guido, desde 1562, estaria também já prestando serviços diplomáticos para o rei francês. (35) E a rainha Catarina, sabemos, continuava motivada por suas diferenças políticas e pessoais com seu parente, Cosmo I, agora o novo ditador Medici de Florença.

Lembramos que, em 60, o irmão mais velho de Guido, Felippo, já teria saído da Europa, vindo para o Brasil, provavelmente por envolvimento político contra os Medici.

Possivelmente, a fama “sdegnosa” e anti-medici dos Cavalcanti fosse a causa da convocação de Guido e a reação anti-medici de seu pai (e possivelmente deste seu irmão Felippo?), uma recomendação. Guido foi igualmente protegido por Catarina, que albergava em sua corte, com cuidados especiais, numerosos exilados políticos de famílias tradicionais e nobres florentinas, os “fuorusciti”, defensores da República de todos os matizes.

A corte desta rainha havia se tornado verdadeiro celeiro de conspirações florentinas.

Bartolomeu Cavalcanti, o atuante conspirador republicano da família ampla, aí permaneceu com grande influência por longas temporadas, e por aí também passou o jovem Stolfo Cavalcanti em 58, filho do banqueiro já referido Tomasso Cavalcanti. (36) Stolto, possivelmente um “ottimatti”, descrito como elegante cavalheiro vestido à moda francesa, fôra decapitado por envolvimento na Conspiração Pucci & Cavalcanti, descoberta em Florença em outubro de 1559. (37) Também Lucrecia Cavalcanti, filha de Bartolomeo, exerceu enorme influência nesta corte como dama de honra da rainha, casada ainda mais com o banqueiro Bernard Albizzi del Bene, Almocer e ligação com os financistas florentinos aliados na península italiana. (38)

Nosso Guido Cavalcanti, a partir de 63, foi convocado a servir nesta corte francesa de Catarina de Médici em substituição ao próprio Bartolomeo Cavalcanti, falecido em 62, e aí permanecerá como “Maestro d ´Ostello”, chefe da hotelaria real, com certeza abrigando “fuoriusciti”, orientando diplomaticamente a casa real francesa, não sabemos em que medida envolvido nos projetos punitivos desta rainha contra seus parentes, mas certamente agradando a realeza como poeta, chegando a ser Conselheiro de Estado em 1572. (39)

Entretanto, sobre Felippo di Giovanni Cavalcanti, desembarcado no Brasil em 1560, filho mais velho do nosso Giovanni di Lorenzo Cavalcanti, nascido em Florença, talvez educado na Inglaterra, temos sobre este período de sua formação e atividades até os trinta e cinco anos na Europa, pouquíssimas informações e um silêncio inquietante.

Sugerimos que deve ter se tornado, como primogênito, homem culto e refinado, politicamente atuante, anti-medici como seus pai, irmãos e parentes da família ampla, acostumado como eles à vida cortesã, certamente ambicioso e ativo como há de se demonstrar mais tarde.

Poderemos formular ainda várias hipóteses de pesquisa:

Teria ele estado, em algum momento, na corte de Catarina de Medici, côrte para a qual seu parente da família ampla, o republicano convicto Bartolomeo di Mainardi Cavalcanti trabalhou grande parte de sua vida e, em 1558, também seu outro parente, Stolto Cavalcanti? Nesta corte estará, a partir de 63, e por muitos anos, o seu irmão Guido prestando seus serviços diplomáticos e políticos. Por esta corte francesa passavam muitos outros florentinos “fuoriusciti”, anti-medici de famílias nobres e tradicionais que se envolviam em conspirações e embates desde 37, Siena 1554/55, tão severa e longamente perseguidos pelos Medici.

Teria participado Felippo, como “fuoriuscitti”, dos embates pela República de Siena, em 55? Ou, no período inicial das conspirações “Pucci & Cavalcanti”, estado em Roma e aí se relacionado com Bartolomeu Cavalcanti. Ou, em algum momento, ter contatado o também jovem Stolto Cavalcanti. Talvez apenas se correspondido ou sabido da conspiração por seus parentes, como o banqueiro Tomasso.

Não podemos confirmar, no momento, nenhuma destas hipóteses de trabalho.

Podemos, apenas, com as informações circunstanciais até agora reunidas, sugerir a confirmação de uma tradição oral insistente, vinda de vários ramos de Cavalcanti no Brasil, aqui registrada por cronistas e historiadores, de que Felippo teria migrado pressionado pela conspiração Pucci & Cavalcanti, descoberta em outubro 59. No mínimo, homem já experiente, Filippo seria sabedor do que acontecia com seus parentes da família ampla.

É mais uma vez oportuno relembrar o momento difícil por que passara a cidade de Siena, pouco tempo antes, em luta pela sua República nos anos 1554/55, luta na qual participaram os “fuoriusciti”, os exilados políticos, e finalmente a queda da famosa República popular de Siena retirada para Montalcino, rendida em julho de 1559.

Estas lutas pela República de Siena, com o auxílio francês e o apoio decidido do republicano Bartolomeo Cavalcanti, tinham tido continuidade, em Florença, com a conspiração ligada à corte francesa e a de Parma, liderada pelo próprio Bartolomeu pretendendo explodir o trono de Cosimo I em uma solenidade em outubro de 59, planos descobertos no começo deste mesmo mês. Como conseqüência temos o enforcamento de Pandolfo Pucci na Praça do Bargello e a decapitação do jovem Stolto Cavalcanti, com mais dois outros companheiros no começo de 1560, ainda muitos outros conspiradores foragidos e já caçados por Cosimo de Médici, entre eles o próprio Bartolomeu Cavalcanti. Esta conspiração, nos seus últimos momentos era tida, pelos próprios conspiradores, como já conhecida (40).

Confirmamos, por documentação, ter Felippo passado por Portugal em 1558, e já com uns trinta e três anos, solicitado a Cosme I de Medici para reafirmasse seus títulos de nobreza, tendo em vista poder receber uma cruz, talvez uma comenda, do rei de Portugal. A resposta afirmativa de Cosme I é de agosto de 59, pouco antes, portanto, da descoberta da conspiração em outubro. (41)

Segundo a tradição Felippo, não se sentindo seguro em Portugal, no ano mesmo de 60, embarca para o Brasil. (42)

Repetimos: segundo uma longa tradição oral familiar, referendada por cronistas e nobiliaristas de época, confirmada ainda mais recentemente pelo historiador Evaldo Cabral de Mello, Felippo se sentiria, na ocasião, pelo menos pressionado pela perseguição violenta de Cosme I de Médici aos Cavalcanti, relativa à conspiração liderada por Pandolfo Pucci e por Cavalcantis (1559) em Florença. (43)

Acrescentamos:

Os cultos e eruditos Cavalcantis, com maiores ou menores pretensões de restaurar as liberdades republicanas, eram ameaçados de morte, tinham seus bens arrestados, eram obrigados a se exilar. Tal fora a situação de seu pai, um comerciante de artes erudito exercendo informalmente funções diplomáticas, protegido pelo papa Medici Leão X, mas que ao fim da década de 20 tem seus bens arrestados tomando uma posição decididamente anti-medici; do ilustre parente escritor republicano, Bartolomeu Cavalcanti, exilado desde 32, penalizado com arresto em 55, seu filho tornado refém por Cosimo I, mas em 59 ainda assim conspirando decidido para a corte francesa e também do o banqueiro e senador, Tommaso Cavalcanti, pai de Stolfo, com bens arrestados e dois filhos penalizados, vítima maior desta tragédia. (44) (45).

O jovem e elegante Stolto di Tommaso Cavalcanti, vestido à moda francesa, pretendendo vingar a morte do irmão e, talvez, uma república como a dos “ottimati” de Veneza, havia participado da conspiração e fora decapitado.

Os conspiradores foragidos eram alcançados até bem longe de Florença, temerosos, além do mais, dos sicários profissionais de Cosme I. Esta era, a situação de Bartolomeu Cavalcanti e o perigo certamente pressentido por Felippo di Giovanni Cavalcanti em 1560, momento em que vem para o Brasil.

Do que observamos sobre as dificuldades por que passou seu pai, nobre florentino bem nascido, erudito e culto com bens arrestados, talvez injustamente, tendo utilizar a arte como elemento político e exilar-se definitivamente na Inglaterra; sobre as perseguições Medici dramáticas enfrentadas também por sua determinada e participativa família ampla, os Cavalcanti em Florença, bem como sobre a atividade política experiente que seu irmão Guido, exilado, exerceu na corte inglesa e francesa de Catarina de Médici, esperamos ter diminuído as lacunas do período de sua formação, tornando um pouco mais clara a personalidade e as motivações do, ainda jovem, Felippo di Giovanni Cavalcanti, aqui desembarcado.

Sobre suas atividades futuras, ligadas à produção de açúcar e seu conseqüente comércio, não nos parecem elas o motivo decisivo de sua vinda para o Brasil, como pretendeu defender o historiador Sergio Buarque de Holanda. (46) Ainda que talvez idealizadas ou pretendidas por ele em virtude das suas melhores relações comerciais, estas atividades de produção de açúcar e seu comércio, ao que tudo indica, só serão definidos com seu estabelecimento no Brasil e seu casamento com a filha de Jerônimo de Albuquerque e da índia Muira Ubi, Catarina, herdeira de engenhos.


(1) Torres, Rosa Sampaio - artigo ”Cavalcantis em Florença, do séc. VIII ao séc. XVI”, edição eletrônica, www.rosasampaiotorres.blogspot.com/

(2) Doria, Francisco Antonio - Tabela Genealógica dos Cavalcanti em Florença, gentilmente disponibilizada pelo autor. Também Sicca, Cinzia M. – “Pawns of international finance and politics: Florentine scultors at the court of Henry VIII, Renaissance Studies, vol. 20, no. 1, 2006, pg. 6, citando várias fontes primárias especialmente ASF, Citadinario 4, Santa Crocce, 1400-1500, fol.1.

(3) Seria Lorenzo, pai de Giovanni, o mesmo personagem que salva seu homônimo Lorenzo de Médici na conjuração dos Pazzi em 1478, como sugere Doria, Francisco Antonio, no seu artigo publicado em blog ”Je me suis couché de bonne heure”, 12 de janeiro 2008? As datas cronológicas corresponderiam, mas as filiações não, segundo a tabela genealógica de Sylvio Humberto Cavalcanti, TávolaCavalcantiFirenze na mídia eletrônica.

(4) Em relação ao parentesco dos Cavalcanti com os Albizzi usamos a Tabela Dória, Francisco Antonio, citada, cruzada com referências de Sicca, Cinzia M. - artigo citado, 2006, pg.7, nota 24, parcialmente corrigidas.

(5) Albuquerque, Cássia; Cavalcanti, Marcelo Bezerra e Doria, Francisco Antonio – Cavalcantis: na Itália e no Brasil - Ed. eletrônica on line, 2010 pg. 15, referindo-se a correspondência precoce de Giovanni Cavalcanti com Luigi Guicciardini sobre a descoberta do Lacoon, em Roma, datadas de 1506 e sobre tumbas etruscas em Castelina, de 1508, resumindo em português sua fonte Sicca, Cinzia M. - artigos de Historia da Arte na revista “Renaissence Studies” n. 16 e 20.

(6) Cavalcanti Sylvio Uumberto - Se chiamavano Cavalcanti, ano 1509, formato PDF Ed.eletrônica on-line. Também, em português, Cavalcanti, Marcelo Bezerra -"Famiglia Cavalcanti“- artigo na web, disponibilizando resumos de artigos de Cinzia Sicca.

Os Bardi, como os Peruzzi foram famílias de tradicionais banqueiros florentinos abalados pela inadimplência da côrte inglesa em 1345, e que sofreram a concorrência de capitais judeus convocados pelos Médici. Os Bardi, em 1330, teriam chegado a 15 ramificações pela Europa, com apoio em Rodes.

Após o fim da primeira República, os Bardi teriam mesmo se oposto aos Médici, segundo Sicca, Cinzia M. - artigo 2006, pg.12, nota 41, fonte Stephens, J., The Fall of The Florentine Republic, 1512-1530, Oxford, 1983, pg. 124: ”By 1512 , the year of the Medici reinstatement to power after the Florentine first republic, the Bardi were among the few openly opposed to the ruling family”.

Sobre os Bardi consultar ainda, Torres, Rosa Sampaio - artigo “Médici & Cavalcanti”, em fim de elaboração.

(7) Sicca, Cinzia – artigo “ Consuption and trade of art between italy and England in the first half of the sixteenth century :The London house of the Bardi and Cavalcanti Company” in Renaissance Studies, vol. 16, artigo n.2, pg.168, 2002, afirma :”...almost “Giovanni di Lorenzo di Filippo found it profitable to devote himself to commerce, conveniently removing himself from the city.”

(8) Sicca, Cinzia M. – artigo citado, 2006, pg. 8, comentando carta de Roma enviada por Giovanni Cavalcanti a Luigi Guicciardini em fevereiro de 1506 referindo-se ao seu patrão, Cardeal Medici. Sicca , Cinzia - artigo citado pg. 168, acrescenta:” It is not unthinkable that cardinal Giovanni de Medici was somewhat influential in dispatching Cavalcanti to his consorteria – very strategically, in order to be able to claim for himself some part in the eventual sucess of any operation aiming at attracting the young king of England into the papal sphere of influence.” Ainda mais adiante no mesmo artigo pg. 169, Cinzia Sicca afirma “... if he acted as a gentleman uscher”.

(9) Sicca, Cinzia M. – artigos citados, 2006, pg. 11 e 12 e 2002, pg.169.

(10) Lembramos ainda que o governo de Lorenzo II, orientado por Leão X, é cauteloso com a elite florentina. Leão X teria mesmo tentado atrair os Mainardo Cavalcanti para a esfera Medici com encomendas de seda entre 1512 e 1513. Sicca, Cinzia M. – artigo 2006, pg.12, nota 41.

Nicolau Maquiavel, o escritor, desejou a proteção política compreensiva de Leão X. Havia ele participado do segundo momento da República, entre 1498 e 1512, ao fim com participação importante e, em 1513, foi preso e torturado, talvez injustamente, incriminado em nova conspiração contra os Medici. O episódio, no qual Machiavel tenta o apoio de Leão X, e do qual o nosso Giovanni Cavalcanti também participa, negando o acesso de seu emissário ao recém escolhido papa, é referido por Sicca, Cinzia M. – artigo citado 2002, pg. 169, citando carta de Francesco Vettori para o próprio Machiavel de 15 de março 1513. Sobre estas suas pretensões de ser protegido por Leão X, consultar também carta de Nicolò Machiavelli a Francisco Vettori, 13 de março de 1513, comentada in Pires, Francisco Murari “Maquiavel e Tucídides”, ed. Eletrônica, on line.

(11) Albuquerque, Cássia; Cavalcanti, Marcelo Bezerra e Doria, Francisco Antonio - Cavalcantis: na Itália e no Brasil. Ed.eletrônica on-line, 2010, pág. 15 - tendo como fonte Sicca, Cinzia M. - artigos citados, 2002 e 2006, resume em português, as atividades diplomáticas de Giovanni Cavalcanti. Citamos: ”Envolve-se na diplomacia que cerca a concessão do chapéu de cardeal a Wolsey, principal ministro de Henrique VIII; está ao lado do rei inglês quando este vai se encontrar com Francisco I de França no campo de Tendas de Ouro... e enfim, novamente participa de uma negociação entre o papa e o rei da Inglaterra, quando graças a um tratado que Henrique escreve contra Lutero , Leão X concede-lhe a Rosa de Ouro e o título de Defensor Fidei.”.

(12) A família Mannelli (Mannegli), segundo Francisco Antonio Doria (e-mail 25/1/2011), contrariando repetidas fontes tradicionais que a citam como recém nobilitada, seria na verdade muito antiga, gibelina e nobilitada de longo tempo. Dória estaria baseado, talvez, em Maquiavel, Nicolo - História de Florença, ed. Musa, 2ª edição, 1998, pg.90.

(13) Sobre a Bardi&Cavalcanti, Cavalcanti Sylvio Humberto - opus cit., anos referentes. Sicca, Cinzia M - artigo 2002, pg.169.

(14) Sicca, Cinzia M. – artigo “Consumption of art between Italy and England in the first half of tht sixteenth century: the London house of the Bardi and Cavalcanti”, “Renaissance Studies”, vol. 16, pg. 163-201, junho de 2002.

(15) A data do nascimento de Felipe teria sido obtida por Francisco Antonio Doria na própria Igreja de Santa Crocce. Contato por e-mail com Francisco Doria, em 8/7/2010.

(16) Sobre as atividades de Clarice Médici e Felippo Strozzi contra os Médici, na ocasião, ver Torres, Rosa Sampaio – artigo “Médici e Cavalcanti” em www.rosasampaiotorres.blogspot.com/

(17) Sobre a participação de Giovanni di Lorenzo neste episódio “del Venedi”, apenas reportado por Varchi, Benedetto – Storia Florentina Florence ed. 1838-1841, I, pg.13/36, consultar a pesquisa de Sicca, Cinzia M. – artigo citado, 2006, pg. 5, nota 21. Sobre a participação dos demais Cavalcanti na segunda República florentina consultar Torres, Rosa Sampaio – artigos em blog www.rosasampaiotorres.blogspot.com/

(18) A data do nascimento de Schiatta (17/9/1527) nos é fornecidas por Albuquerque, Cássia; Cavalcanti, Marcelo Bezerra e Doria, Francisco Antonio - opus cit. - pg.16. Suas fontes o livro Cavalcanti, Andrea di Lourenço - Registro d´Huomini e donne Cavalcanti- ms, ASF Mannelli Galilei Riccardi 481. Não sabemos o local e a data do nascimento do filho Guido, citado no documento de Cosimo I que confirma a nobreza de Felippo Cavalcanti. Giovanni di Lorenzo Cavalcanti teria tido ainda um outro filho chamado Giovanni, que não é referido neste documento (ver nota 25) e certamente uma outra filha (de nome Ginevra?) também ainda não relacionada (ver nota 27 e 28).

(19) Carta inédita de Henrique VIII a Giovanni Cavalcanti, datada de Londres, 24 de novembro de 1528, carta que se encontra, em seu original, na Biblioteca Nacional Central de Florença, Sala Manoscritti Rari, Passerine 156 - Cavalcanti, onde foi encontrada e gentilmente disponibilizada por Marcelo Bezerra Cavalcanti, no seu Blog “Famiglia Cavalcanti”, com foto do documento.

(20) É possível que a intervenção de Henrique VIII no episódio do arresto estivesse ligado a um empréstimo recebido por Giovanni Cavalcanti da Comuna de Florença. Ver detalhes sobre este empréstimo, e o seu pagamento muito parcelado, em Sicca, Cinzia M.- artigo citado, 2006, pg.6, e nota 22, mais em Sicca Cinzia M. - Artigo “Consumption and trade of art beetween Italy and england in the half of the sixteenth century : the London house of the Bardi and Cavalcanti company” in Renaissance Studies 16, no2, 2002, pg.166, nota15, citando J. Stephens, The Fall of The Florentine Republic, 1512-1530, Oxford, 1983, pg. 188.

(21) Cavalcanti, Silvio Umberto, opus cit., ano incerto na década de vinte (152..), refere-se ao quadro encomendado por Giovanni Cavalcanti, e cita a descrição por Vasari, Giorgio- Lle vite de piu Exellenti Pinttori e Scultori e Architettori, Firenze 1550, cópia eletrônica, Casa Cavalcanti :“...Similmente um altro ne fece a Govanni Cavalcanti, che ando in Inghilterra , quando Iacob piglia ‘l bere da quelle donne alla fonte, che fu tenuto divino, atteso che vi erano ignudi e feminine lavorate com somma grazie , alle quali egli di continuo si diletto far pannicinisottili , acconciature di capo, com trecce et abbigliamenti per il dorso”. Esta descrição coincidiria, segundo Climent-Denteil, Pascale – Il rosso Fiorentino, pittore della Maniera, Presses de la Mediterranée, 2007, pg.40, com o quadro de Il Rosso, “Rebecca al Pozzo”, hoje com uma reprodução do séc. XVII, na pinacoteca de Pisa, informação também confirmada em Sicca – 2002, pg. 165, fonte R.P.Ciardi and A. Natali (eds) Pontorno e Rosso. La “maniera moderna” in Toscana. Atti del convegno di Empoli e Volterra (Venice, 1996), pg. 147-56.

Il Rosso, Giovanni Batiste di Iacob (1496-1540), pintor florentino ruivo, também conhecido como Maitre Roux. Com obras hoje reavaliadas e muito celebradas em Florença, Volterra e Citta di Castello, saído de Florença em 1528, exilado em 1531 na corte da França de Francisco I. Foi um de seus principais colaboradores na “Galeria de Francisco I” e nos projetos de seus castelos, criador da “Escola de Fontainebleau”. Tendo se suicidado nesta corte em 1540, seu rival Primaticcio o sucedeu. É também descrito por Pardoe , Julia –The Court and Reign of Francis the Firt , King of France; vol 2, 1849, pg. 30, 31, Pdf : “Great skill in the management of his lihgt, grandeur of conception, fertility of imgination and remarkable richness of colouring, are the caracteristics of his style.”

Ainda segundo informações da Wikepédia italiana sobre Il Rosso, existe um quadro, hoje no Louvre, pintado por este pintor, datado de 1524-1527, com o título “La Contesa delle Pieridi". Não conseguimos descrição ou outra informação sobre este quadro.

(22) Sicca, Cinzia M. - artigo citado, 2006, pg. 5, comentando o texto na íntegra de Vasari em que outro quadro de Il Rosso, o famoso “Moisés e as filhas de Jetro”, é notado como também exportado para a França por Giovanni Baldini. Sicca ressalta ainda a atividade política de il Rosso até o momento pouco avaliada.

(23) Sicca, Cinzia M – artigo citado, 2006, pg.34. Este tipo de propaganda, visando atrair para a causa antimedici, teria sido utilizado também por Filippo Strozzi, nesta mesma ocasião, em relação ao rei francês. Em nota deste mesmo trabalho no. 102, Cinzia Sicca afirma: “In a letter of 29 january 1529 to Filippo Strozzi , Della Palla described his commission to provide works of art for François I and his family as “utilíssima et necessária alla conservatione di questa liberta felicíssima [...]”, quod in Elam, Art, document 4.”

Sabemos que Ruberto Strozzi, filho de Felippo Strossi, procurou atrair o rei francês ofertando-lhe duas estátuas de Miguelangelo “Prigioni” (Prisioneiros).

(24) Sicca, Cinzia M. - artigo 2006, pg.5.

(25) Cavalcanti, Sylvio Umberto – opus cit., ano 1532.

(26). Temos informação que Giovanni di Lorenzo teria conseguido colocar “um filho seu neste cortejo à França”. (informação obtida em fonte primária não registrada por mim, mas confirmada por Francisco Antonio Doria via e-mail em 29/10/2010). A presença do menino Guido, neste cortejo é sempre repetida, por várias outras fontes secundárias, talvez por ter ele estado na França em 63. Não podemos confirmá-la por falta da data de nascimento de Guido, que acreditamos, fosse ainda muito pequeno em 1533. Podemos, neste caso, apenas sugerir a hipótese de ser, Felippo Cavalcanti, criança de uns sete, oito anos, o filho que Giovanni di Lorenzo colocou como pajem no séquito de Catarina de Medici quando do seu casamento, acompanhando a pequena Lucrecia, filha de Bartolomeo Ver mais nota 28.

(27) Sobre a presença de Tomasso Cavalcanti na Inglaterra, Buarque de Holanda, Sérgio - artigo “Os projetos de colonização e comércio Toscanos no Brasil ao tempo do grão Duque Fernando I (1587-1609)” - Revista de História n. 71, 1967, pg.103, pdf.

(28) Não conseguimos localizar, até o momento, local e data do nascimento de Guido di Giovanni Cavalcanti. Presumimos que teria nascido em Florença, porque é citado no documento de nobreza de Cosimo I, concedido ao seu irmão Felippo di Giovanni quando de sua vinda para o Brasil. Uma outra filha, uma menina, teria chegado a Londres com a mãe, Ginevra, em outubro de 1534. Ver nota em seguida.

Não sabemos se todos os filhos de Giovanni Cavalcanti foram criados na Inglaterra, nem o que ocorreu com o filho que teria acompanhado o cortejo de Catarina de Mecidi. Algumas fontes repetem que fosse Guido, talvez ainda muito novo, em 33. Ver nota 25.

(29) Documento de transporte citado por Sicca, Cinzia – artigo citado, 2002, pg.183, nota 84. Este contrato de transporte de Ginevra di Giovanni di Lorenzo Cavalcanti para Londres na companhia de uma filha pequena, sugerimos revelador de sua estada na Inglaterra.

(30) Doria, Antonio Francisco – TabelaGenealógicaCavalcanti, gentilmente cedida pelo autor, refere-se ainda a um outro filho de Giovanni Cavalcanti, também de nome Giovanni, citado numa carta do inglês sir Edwald Stanfford como irmão de Guido, e que teria se correspondido, mesmo, em 1587/88 com Giordano Bruno. Confirmação de Francisco Antonio Doria, por e-mail, 9/7/2010 e por telefone em 3/1/2011.

(31) Cavalcanti, Sylvio Umberto - opus cit., ano referente.

(32) Cavalcanti-Sylvio Umberto – opus cit., data referida. Sobre as várias atividades informais diplomáticas de Schiatta e seu irmão Guido na corte inglesa ver com detalhes Mann, Julia de Lacy e outros - Textile history and economic history, Manchester University Press, 1973, pg. 40.

(33) Holanda, Sergio Buarque de – artigo citado, pág. 104. “Ainda em Antuérpia vamos encontrar, no ano de 1563, Stratta [equivoco do autor] Cavalcanti que de sociedade com François Berty, obtém privilégio para a exploração de um processo novo de refinar sal”. Também Bulletin de L’Institut Historique Belge de Rome , vol.12-14, 1932, pg. 5.

Sobre a família de Schiatta as informações vêm de Cavalcanti, Sylvio Umberto – árvore genealógica da família Cavalcanti, em painel na mídia eletrônica TavolaCavalcantiFirenze.

A mulher de Schiatta, Ipólita seria da família renomada de Baldassare Castiglione (1478-1529) casado com a bela Ipólita Torelli, celebre autor do Livro do Cortesão, muito famoso e editado nas cortes européias da época. A data de seu casamento com Schiatta em Sicca, Cinzia M. – artigo citado, 2002, pg.183, nota 84, com fontes.

A filha de Schiatta, Lisabetta teria por sua vez se casado com Ducio Mancinni. (Segundo nossa própria pesquisa possivelmente o fidalgo florentino, Ducio di Baldassare Mancini,(1564-1617).

(34) Cavalcanti, Sylvio Humberto – opus cit., ano 1563, e sua tabela genealógica ed. Eletrônica.

Champion, Pierre, Charles IX: la France et le contrôle de l’ Espagne, B.Grasset, 1939,pg. 347,textuamente ; « La reine de l’Agleterre leur envoyait Cavalcanti , avec des lettres assurant qu’elle ne savait rien de la decente de Montgomery et qu’elle essayerait de leur procurer la paix avec les rebelles. »

Ramsay, Jorge Daniel - The City of London in International politics at the acession of Elizabeth Tudor , Manchester University Press, 1975, pg.106, afirma que Guido Cavalcanti, em 1562 e 1563, estaria devendo muito a Lord Dudley de Londres.

Notamos desde já, que Guido di Giovanni Cavalcanti será convocado pela rainha à corte francesa após a morte de Bartolomeu Cavalcanti em 1562, até então elemento de inteira confiança e intimidade da rainha, e para substituí-lo. O assunto foi aprofundado em Torres, Rosa Sampaio - artigo “Conspiração Pucci & Cavalcanti”, ed. www.rosasampaiotorres.blogspot.com, dez. 2010.

(35) Detalhadas informações sobre as atividades diplomática informais de Guido Cavalcanti e seu irmão na Inglaterra estão em Mann, Julia Delacy, e outros – artigo citado, com inúmeras fontes primárias oficiais inglesas. Ver mais nota 31. Também várias outras informações em Ramsay, Jorge Daniel – opus cit., pg. 106,107.

K. Bartlett - artigo “Papal Polici and the English Crow 1563-1565”, Sixteen Century Jornal XXIII, Vol. 23, n. 4, 1992, pg.643-659, refere-se a uma carta de Guido enviada de Londres em 1563, para Ginevra [sua mãe ou irmã?] em Florença, reportando negociações entre a cúria e a Inglaterra para melhorar as relações religiosas entre os dois estados.

Sumário storico delle famiglie celebri toscane riveduto dal Cav. Luigi Passerini, Pisa, vol. I, pg. 319-326, Pdf, afirma que, Guido Cavalcanti , já em 1562 prestava serviços para o rei francês. Guido. ...“per avere in avanti trattato diversi affari fra questi due regni era bene informato degli interessi dell”uno e dell outro.”.

(36) Sobre conspirações urdidas na corte francesa ver Torres, Rosa Sampaio - artigo “Conpiração Pucci & Cavalcanti” e logo “Médici e Cavalcanti” www.rosasampaiotorrres.blogspot.com/

(37) A “Conspiração Pucci & Cavalcanti”, por sua importância para a historiografia brasileira, é por nós detidamente analisada no artigo “Conspiração Pucci &Cavalcanti”, acima citado. Desde já, indicamos como fontes Scipione, Ammirato – Istorie Fiorentine, 1600, vol.II; Mello, Evaldo Cabral de – artigo citado; o romance de Trevisani, Cesare - La Conjiura di Pandolfo Pucci, Tip. De Monnier, Florenze, 1852, disponibilizado em PDF e Dufresnoy, Nicolas Lenglet – L´histoire Contre les Romans – J.F. Bernard, Amsterdam, 1735, pág.100, em PDF.

Estes dois últimos autores a denominam “Pucci & Cavalcanti”, e nos parece justo, pois nela os Cavalcanti atuaram, por pelo menos dois ramos diferentes, um em Roma e outro em Florença.

As datas da conspiração, agora citadas, foram analisadas detidamente neste trabalho específico. Adiantando a discussão, cito carta de 7 de outubro de Pandolfo Pucci, do cárcere, para Cosimo I, citada em Guicciardini, Francesco - Opere inedite: Ricordi Autobiografici e Scritti Vari Presso M.Cellini 1867, pág. 325.

Sobre as atividades dos “fuoriusciti” na corte de Catarina de Medici consultar Smoncelli, Paolo – Fuoriuscitismo Republicano Florentino, 1530-54, volume I, Franco Angeli, Milano 2006.

(38) Sobre as atividades de Bartolomeu di Mainardo Cavalcanti e sua filha Lucrecia, bem como seu esposo o banqueiro Del Bene, na corte francesa, ver bibliografia “Conpiração Pucci & Cavalcanti” especialmente nota 12 e 22 e, também "Medici e Cavalcanti” proximamente, artigos em www.roasasampaiotorres.blogspot.com/

Desde já chamamos a atenção do leitor para o engano do historiador Sergio Buarque de Holanda no artigo citado, pág.104, cuja tese se desenvolve usando, equivocadamente, a data da “Conspiração Orácio Pucci” - 1576 - como sua referência, em vez de 1559, outubro, data real da descoberta da “Conspiração Pandolfo Pucci & Cavalcanti”. Este equívoco compromete fundamentalmente, a nosso ver, suas conclusões sobre os motivos da emigração de Felippo di Giovanni Cavalcanti para o Brasil. Citamos, textualmente, Buarque de Holanda: ”O interesse pelo negócio do açúcar... pode sugerir uma explicação para a vinda a estas partes de Felipe Cavalcanti... A verdade é que a célebre conjura de Pandolfo Pucci e de outros, pertencentes à gente mais nobre de Florença, que tentarão fugir, inutilmente, aliás, porque acabam caçados e presos fora da Itália, não acontece em 1558, mas em 1576, quando já Felipe deverá estar fixado de longa data no Brasil.” O grifo é nosso. Ver também nota 40.

(39) Cavalcanti, Silvio Umberto – opus cit., ano citado

Sabemos por Mann, Julia de Lacy e outros - Textile history and economic history, Manchester University Press, 1973, pg. 40, que Guido Cavalcanti em 1569 teria tentado reabrir negociações para o casamento entre Elizabeth I e um príncipe francês, citando Levy, F.J - artigo “A semi-profissional diplomat: Guido Cavalcanti and Marriage Negotiations of 1571” Bulletin of the Inst. of History Reseach, XXV (1962), pg. 211-20.

Sommario storico delle famglie toscane, riveduto dal Cav. Luigi Passerini, vol. I, Pisa, pg. 326, afirma ainda sobre Guido Cavalcanti : “guido cavalcanti fu poeta veramente coronato della benevolenza dei nostri re... Questo signor Maestro dellOstello ordinário del re Enrico II, si rese capace delle più importanti funcioni dello stato , che sua Maestà per uma lettera delli 4 gennaio 1572 comandò si suoi luogotenenti generali e ambasciatori che erano in Itália che ricevessero il medesimo Cavalcanti per suo consegliere di stato e mestro d´Ostello presso di loro in qualità di suo consigliere di stato nelli consigli, che essi hanno accostumato di tenere per gli affari di S.M. re.”

Guido di Giovanni Cavalcanti é também citado também como poeta por Rossetti Dante Gabriel - The Early Italian Poets,1861, pg. 204 nota: “The Cavalcanti reappear now and then in later European history; and we hear of a second Guido Cavalcanti , who also cultivated poetry , and travelled to collect books for the Ambrosian Library; an who, in 1563, visited England as Ambassador to the court of Elizabeth from Charles IX, of France”.

(40) Ressaltamos que a "Conspiração Pucci & Cavalcanti" terá desdobramentos na "Conspiração Orácio Pucci & Ridolfi", quando um Médici será também decapitado em 1575. Sergio Buarque de Holanda, em seu trabalho, por não tendo percebido estes desdobramentos conspirativos de 75, se equivoca na análise feita sobre Felippo Cavalcanti. Detalhes no artigo “Conspiração Pucci & Cavalcanti” www.rosasampiotorres.blogspot.com/ Ver também acima nota 37.

(41) A passagem de Felipe por Portugal é documentada pela carta de nobreza atestada por Cosme I de Médici, arquivada no Arquivo do Estado de Florença, com um adendo relacionado à cruz que Felippo pretendia receber do rei português, encontrada pelo genealogista Francisco Antonio Doria e já disponibilizada on line, “Felippo di Giovanni Cavalcanti”.

(42) Não temos a data exata deste embarque. São sugeridos na ocasião contatos de Felippo Cavalcanti, em Lisboa, com os banqueiros Alffaitati de Cremona, situados nesta cidade e ligados ao comércio de açúcar na ilha da Madeira, que seriam o motivo de sua vinda para o Brasil. Estas sugestões são repetidas por vários historiadores brasileiros, com pesquisas centradas em analises econômicas, especialmente Afrânio Peixoto (História do Brasil, cia. Ed. Nacional, 1944, pdf) e Sergio Buarque de Holanda, artigo citado. Mas realmente não há documento, até agora, comprovando este relacionamento, na verdade também uma hipótese de trabalho que a meu ver não se sustenta como causa maior ou única da migração de Felipe Cavalcanti. Ver, também, nota 45.

(43) Mello, Evaldo Cabral de – “O mito de Veneza no Brasil” - artigo no jornal “Folha de São Paulo” - 1 de julho 2001, afirma textualmente: ”Felipe abandonara Florença, primeiro por Portugal, depois pelo Brasil, devido a seu envolvimento na conjura de Pandolfo Pucci contra os Médici, versão que permanecerá na tradição de seus descendentes.”.

A tradição oral familiar também é referendada pelos Cavalcanti de Gusmão. Ver Cavalcanti de Gusmão, Oziel – “Notas sobre os Albuquerques e Cavalcantis”, sob a orientação de Emília Cavalcanti Albuquerque de Gusmão (1880? -1971?), livreto, 1997. Textualmente: “Felipe Cavalcanti fugiu para Portugal em 1558 por ter tomado parte, em Florença, em conspiração contra o duque Cosme de Medici. Não se dando bem seguro em Portugal, rumou para Pernambuco...”.

Bittencourt, Adalzira – Genealogia dos Albuquerques e Cavalcantis, Rio de Janeiro, Livros de Portugal, 1965, p.52, repete a mesma versão tradicional de participação da Felipe Cavalcanti na Conjuração de Pandolfo Pucci, transcrevendo artigo de Paulo Eleutério Cavalcanti de Albuquerque, publicado na Revista de Estudos Genealógicos n. 5 e 6, 1939, São Paulo. Transcrevemos o texto de Eleutério Cavalcanti de Albuquerque: ”Apesar de Felipe ter deixado a terra fugido, por haver conspirado contra seu rei, já em Portugal pede e consegue uma certidão de sua nobreza, sendo a mesma assinada pelo próprio rei Cosme I, datada de 23 de agosto de 1559...”

Em Micellanea di storia Italiana, vol. 40, pg. 402, verbete Cavalcanti, encontramos a noticia talvez apenas parcialmente correta. : “nobili famigia florentina. Contano i nobliaristi portuguesi qui un Antonio Cavalcanti compromesso verso Cosimo di Medici si rifugiò verso il 1558 com suo figliollo Filippo in Portogallo. Di Filippo consta che pocco dopo si tramutò a Pernambuco...”( os grifos são nossos).

(44) Cavalcanti, Sylvio Umberto - opus cit., anos citados 1555 e 1558. Mello, Evaldo Cabral de Mello - artigo citado. Ver também Torres, Rosa Sampaio - artigo citado.

(45) Tomasso di Francesco Cavalcanti foi comerciante e banqueiro florentino, associado a Giovanni Giraldi. Com Benvenuto Oliviere e outros financiou o papa Paolo III, segundo Bruscoli, Francisco Guidi – Papal Banking in Renaissance Rome: Benvenuti Oliviere and Paul III, Ashgate 2007. Holanda, Sergio Buarque - artigo citado pág. 103, se refere à associação de Tomasso com o banqueiro Bonvisi de Lucca na corte de Henrique VIII, financiando este rei e chegando a ser seu principal credor em 1544. É possível que tivesse também atuado como banqueiro e financiador associado a Giovanni di Lorenço Cavalcanti, o do nosso ramo, então nesta corte inglesa. Tommaso teria estado, perto de 1557, em Antuérpia, segundo Sérgio Buarque Holanda artigo citado, pág.104. Mas falece em 1560, depois da decapitação de seu filho Stolto, segundo Cavalcanti, Sylvio Humberto, tabela genealógica citada. Os bens de Tomasso e Stolto di Tomasso Cavalcanti, foram arrestados, em Florença, mas devolvidos por Cosimo I ao filho sobrevivente, Giovan Battista Cavalcanti. Este jovem Cavalcanti, que perdera dramaticamente dois irmãos e o pai, irá homenagear a figura paterna em 1562, criando uma rica capela, na Igreja do Santo Espírito, em Florença, com mármores preciosos e um busto de Tomasso, de autoria de Agnolo Montorsoli, que ainda hoje lá se encontra.

Segundo o próprio Buarque de Holanda, pág. 103, citando o historiador Denucé, Jean - Inventaire des Affaitadi 1568, Antuérpia, 1934, Lucas Giraldi é que teria associação com Giovanni Francesco Affaitadi no comércio do açúcar desde 1527, na Ilha da Madeira. Os descendentes de Lucas, associados aos Alffaitadi, serão muito beneficiados com o comércio das Índias e do Brasil.

(46) Assunto já discutido acima nas notas 38 e 40.