Notas biográficas
sobre Bartolomeo di Mainardo Cavalcanti
Um lutador pela
República
“Libertà vo cercando ch´é si cara” (Dante)
“Eppure
um núcleo radicale di esuli radicali antimedicei era rimasto in Francia a
coltivare l´estrema speranza d´uma restaurazione repubblicana: a far vivere,
tra secreti e pericolo mortali, la Repubblica fiorentina in esilio, viva ancora
mentre Montaigne viaggiando in Itália faceva tappa in Toscana.” (Paolo Simoncello).
”And it was this anti-medice
republican ferment, entusiastically joined by que most sincer and active
republican anti-exiles – most notably Cavalcanti, Nardi e Varchi...” (Daniela Frigo)
Romancista italiano do século XIX
descreve Bartolomeo di Mainardo Cavalcanti por volta do ano de 1558, já com uns
cinqüenta e cinco anos, como de altura mediana, ar enérgico, cãs embranquecidas,
discurso entusiasmado e olhos brilhantes (1).
A personalidade marcante de Bartolomeo
Cavalcanti, central em vários acontecimentos na história italiana, merece ser
analisada em biografia aprofundada como um dos precursores do republicanismo
moderno. Entretanto, neste momento, estaremos limitados a breve artigo - mais
apropriadamente um ensaio, pretendendo apenas apresentá-lo aos estudiosos da
família Cavalcanti no Brasil e em Portugal (2).
Devemos lembrar que Bartolomeo Cavalcanti,
nascido no ano de 1503 em Florença, era neto por sua mãe Ginerva do muito rico e
culto Giovanni di Niccolo di Giovanni di Amerigo Cavalcanti. Este seu avô foi
muito conhecido por sua amizade com o célebre literato Marsílio Ficino - período radical
da chamada Primeira República organizada pelo frade Savanarola, ocasião em que
a família Medici fora temporariamente apeada do poder.
Pelo lado paterno, Bartolomeo era neto de
uma Strozzi, Lucrecia - família de banqueiros muito rica e poderosa, também já tradicional
rival dos Medici. Seu pai Mainardo di Bartolomeo Cavalcanti (1471-1547)
descendia do ramo Cavallereschi da família Cavalcanti, ramo que havia atuado
como do “popolo" na Republica florentina nos longínquos anos 1300 (3).
Mainardo, rico industrial de seda, mas autenticamente republicano fora do
Conselho dos Senhores em 1509.
Em conseqüência desta ascendência de forte
atuação política republicana, o jovem Bartolomeo Cavalcanti, apelidado Baccio, desde
cedo se manifestou também como um entusiasmado republicano anti-medici.
Segundo Varchi, “jovem gracioso e bem falante, com não menos virtude que
ambição”, Baccio fora o encarregado de levar as manifestações de insatisfação
dos cidadãos respeitáveis, inclusive de outros ramos da família Cavalcanti - os
Cavalleschi e os Papero - ao Gonfaliero, em abril de 1527, momento que antecede
a um segundo período de plena Republica em Florença (4).
Depois da saída dos Medici, Baccio participará
deste novo período convulso e de aberto conflito republicano entre 1527 e 1530,
juntamente com seu pai - este agora participando do Conselho dos 200.
Baccio notabilizou-se, neste período, como um
jovem orador inspirado e erudito frente à milícia florentina, vestindo um
“corselet” militar. Demonstrava ele não só sua sinceridade republicana levada
às últimas conseqüências do enfrentamento, mas também os limites que impôs a
esta radicalidade. Assim sendo, refutou com eloqüência e publicamente a Filippo
Pandolfine, republicano radical que pretendia na ocasião a destruição da própria
Igreja de São Lorenzo dos Médici. Talvez o jovem Cavalcanti evocasse a desgraça
ocorrida sobre os castelos da sua própria família – castelos, nas vizinhanças
de Florença, destruídos por insurreição popular contra os “magnati” no ano de
1304 (5).
Os Mainardo, pai e filho, teriam atuado nesta
inédita fase da vida republicana em Florença em ligação com o parente,
comerciante e mecenas, Giovanni di Lorenzo Cavalcanti do ramo Cavalleschi - ramo
depois migrado para o Brasil - pai do patriarca brasileiro, Filippo. Giovanni
di Lorenzo havia trabalhado na corte de Henrique VIII e, agora, em frente
sugestiva e decididamente anti-medici tentou ainda obter a simpatia e o apoio
deste rei para a causa florentina. Para obter este apoio Giovanni pretendeu ainda
retomar antigas encomendas artísticas para o mausoléu de Henrique VIII a ser construído
em Londres (6).
Mas o dramático cerco à Florença se
alongava – a cidade sitiada pelas forças imperiais de Carlos V já por onze
longos meses.
No
ano de 1530 o jovem Baccio foi mesmo um dos escolhidos para ir em embaixada pedir
pela República sitiada ao próprio papa Clemente VII – também um Medici.
Com a situação da cidade cada vez mais se agravando, o pai de
Bartolomeo, Mainardo di Bartolomeo, ligado aos ideais republicanos moderados de
Niccolo Capponi, por fim, apoiou Malatesta Baglione e defendeu mesmo a
capitulação da cidade tomada pela peste - milhares de corpos insepultos. Ocasião
em também a pequena Catarina de Medici, que havia se tornado refém da República,
tinha já sua vida ameaçada por facções radicais e grupo raivoso de populares
(7).
O jovem Bartolomeo sempre teve grande admiração
por Maquiavel, com quem comprovadamente se correspondeu (8).
Com
o fim da Segunda Republica, subindo um novo Medici ao poder em 1532 – o
despótico Alexandre - Bartolomeo deverá deixar Florença em exílio voluntário.
Baccio não chegara a ser exilado pelos Medici em virtude do prestigio de seu
pai e, supomos, agradecimento dos Medici pela vida da pequena Catarina.
Já
no ano seguinte Baccio acompanhará o cardeal Giovanni Salviati no cortejo de casamento
da então quase adolescente Catarina de Médici com o jovem príncipe herdeiro francês,
até Marselha. Nesta cidade Bartolomeo foi
muito bem recebido, homenageado com poesias a ele dedicadas pelo amigo poeta
Francisco Berni (1497-1535). Levava no cortejo sua pequena filha Lucrecia e um dos
filhos, também bem pequeno, do nosso Giovanni di Lorenzo Cavalcanti (9).
Bartolomeo Cavalcanti foi ainda muito
bem recebido também em Roma pelo novo papa Paulo III, um Farnese – tornando-se seu
confidente, elemento de ligação e inteira confiança até a morte deste em 1549.
Mas desde 1536, pelo menos, Bartolomeo
vinha conspirando ainda pela causa da República contra os Medici prepotentes
com o auxilio de Giuliano Gondi e outros ”fuoriusciti”. Lembramos que
Bartolomeo era casado com Dianora, filha de Alessandro Gondi - família de
banqueiros florentinos que havia se estabelecido desde o começo do século na
França. Em 1537 Baccio atua mais uma vez
militarmente pela republica com numerosos outros “fuoriusciti” de famílias
florentinas prestigiosas, ainda o apoio disfarçado do rei francês Francisco I e
da própria Catarina de Medici. Catarina cada vez mais indignada contra seus
parentes prepotentes de Florença, que mesmo não haviam cumprido seus
compromissos do pagamento de seu dote. Como comandante militar, Bartolomeo
enfrentará o novo Medici prepotente, Cosimo I, em Montemurlo.
Com a derrota dos rebelados, a elite
florentina é obrigada a desfilar acorrentada ao entrar em Florença. Entre os
detidos estava o banqueiro Filippo Strozzi, o protetor de Catarina de Medici -
o maior banqueiro florentino da época, rival dos Medici - humilhado e recebido
por Cosimo. Os líderes da elite apresados e decapitados.
Entretanto, Filippo Strozzi, grande
trunfo financeiro, fora mantido refém.
Escapando
à prisão, Bartolomeo terá certamente notícias da tortura infringida ao seu jovem
amigo Giuliano Gondi, também íntimo amigo do Strozzi - tortura que decidiu o próprio
suicídio deste poderoso banqueiro no cárcere, temendo igualmente ser torturado
e entregar companheiros (10).
Após estes episódios dramáticos, Bartolomeo
Cavalcanti permanecerá alguns anos exilado em Ferrara, sob a proteção do Duque
Ercole II. Já Ercole I, o pai, fora mesmo simpático à República de Savanarola e
pretendera evitar a morte do frade.
Porém, republicanos exilados das mais
variadas tendências, indiferentemente radicais, moderados ou “ottimattis",
ainda não se davam por vencidos na luta contra os Médici - família que aos
poucos destruía o regime tradicional republicano em Florença. (11)
Assim sendo, entre os “fuoriusciti”
mais entusiasmados esteve sempre o sincero republicano Bartolomeo Cavalcanti.
Lembramos
que mulher de Bartolomeo, Dianora, era também sobrinha do florentino
auto-exilado em Lyon desde o início do século - o banqueiro Antonio Gondi. Gondi havia se casado em 1536 com uma nobre
francesa, Maria Catarina Pierrevive, mulher interessante e sedutora, tornada
íntima e leal amiga da rainha Catarina de Médici – ela certamente o núcleo aglutinador
em Versailles dos conspiradores florentinos.
As relações de Bartolomeo Cavalcanti com
a corte francesa foram, portanto, sempre muito estreitas – ocupando ele o cargo
de “Maitre D Hotel” do então rei Henrique II, marido de
Catarina.
A influência de Bartolomeo nesta corte se fez sentir, ainda mais tarde, através
sua própria filha Lucrecia, tornada por sua vez dama de honra de Catarina e
casada com outro importante banqueiro de origem florentina, Bernard Albizzi Del
Bene.
Um belíssimo quadro ainda hoje marca esta
feliz convivência – em cena campestre, Catarina de Médici foi retratada na
companhia de Lucrecia Cavalcanti, entre várias outras jovens damas florentinas refugiadas
– todas muito amigavelmente abrigadas em sua corte (12).
O marido de Lucrecia, da exilada
família dos Albizzi del Bene, passara para a França no governo do rei francês
Francisco I, após a tentativa fracassada de Montemurlo. Bernard Albizzi
D´Elbène foi intelectual, escritor, banqueiro, conselheiro e “almocer” da rainha,
sobretudo seu agente financeiro na península italiana. Dele se disse ter sido o
“general e superintendente das finanças que saiam do Reino” no período de
reinado de Henrique II (1547-1559) - “facteur” da banca Gadagne - em suma o responsável
pelas ligações financeiras com os banqueiros conspiradores na península
italiana (13) (14).
Em 1552,
no episódio da guerra entre a França e as forças do Sacro Império Germanico, Bartolomeo
foi convocado pela rainha francesa para atuar na defesa da remanescente Republica
de Siena, na Toscana, ameaçada pelas forças dos Medici e do Império. Em 1555, ele
atua como regente da cidade em nome dos franceses.
Já no ano anterior Bartolomeo Cavalcanti
tivera seus bens em Florença arrestados, tido como rebelado e traidor - seu
jovem filho Giovanni, além do mais, preso como refém por Cosimo I.
Também os filhos do banqueiro Filippo
Strozzi com Clarice Medici, pretendendo a vingança pela morte do pai, foram
nestes episódios militares da guerra de Siena muito penalizados por Cosimo I – parente
impiedoso e determinado da família materna.
Piero Medici-Srozzi, chefe das forças
aliadas francesas nos enfrentamentos de Siena, ferido três vezes em batalha,
escapou refugiando-se na fortaleza de Montalcino. Mas seu irmão, Leone Medici-Strozzi,
pertencente à ordem dos Cavaleiros de Malta, experiente e temerário comandante
naval, tido mesmo como “pirata”, foi morto em conseqüência de ferimentos por
arcabuz no cerco à Scalino, na Toscana, tentando reunir-se às forças deste seu
irmão - em defesa de Siena e de sua República (15).
Castelos e fortalezas nesta guerra tornados
ruínas pelos bombardeios. Siena teve sua população devastada. Muitos “fuoriusciti”
e soldados genoveses em defesa dos fortes de Port’Ercole, bombardeados por mar,
foram posteriormente ainda justiçados pelo comandante naval Andréa Doria e
pelas forças punitivas de Cosimo I.
Apresados, Giovambattista Strozzi -
sobrinho de Filippo Strozzi - Bartolomeo di Cosimo Arrigue e Tommaso di Piero
Cassia ainda decapitados na praça S. Appolinario em Florença no ano de 1554,
sua cabeças colocadas em pontas de lanças (16).
Fato ainda mais dramático: detido em Port
Ercole, o adolescente Alessandro Medici-Salviati que tentara auxiliar seus primos
Piero e Leone na luta por Siena, negando desculpar-se ante Cosimo I foi justiçado
na prisão de Livorno como traidor.
Alessandro era neto de Lucrecia Medici-Salviati,
bisneto do grande Lorenzo que pretendera a pacificação com os Salviati pelo
congraçamento das famílias (17).
Com a queda da já muito sofrida República
de Siena, só restaria aos populares e cidadãos republicanos remanescentes refugiarem-se
na companhia do ferido comandante Piero Strozzi, ao abrigo da célebre fortaleza
de Montalcino, onde por algum tempo mantiveram ainda seu próprio regime já igualitário
de governo. Episódio tido, atualmente, como
de grande relevância e simbolismo para a causa republicana e igualitária (18).
A partir desta nova e dolorosa experiência ocorrida em Siena, Bartolomeo
Cavalcanti vai escrever a obra “Trattati sopra gli reggimenti delle repubbliche
antiche e moderne”- e com novo olhar experiente tenta ainda conciliar as idéias
de Platão e Aristóteles sobre a organização republicana.
Bartolomeo voltara à França em 1555 e comprara
do parente Antonio Gondi o Castelo do Grand Perron para sua filha Lucrecia,
próximo de Lyon, na França, mas aí pouco irá permanecer.
Na corte
francesa de Versailles ”os fuoriusciti” não haviam desistido. Sempre muito bem
acolhidos, logo retomavam teimosos às suas atividades conspirativas. Indignados
depois da derrota em Siena os conspiradores na corte de Catarina pretendiam,
ainda pertinazes, continuar em ação.
E, Bartolomeo di Mainardo Cavalcanti, um
Cavallereschi já então muito experiente ainda incentivava da França os conspiradores
e orientava novas ações em Florença antes de ir para Roma.
No ano de 1556, em plena maturidade, voltara
o tenaz conspirador a atuar temerariamente para a corte francesa a partir de
Roma, agindo também para a corte de Parma de Otávio Farnese, envolvido agora nos
planos da “Conspiração Pucci & Cavalcanti” preparada para eclodir em
Florença (19).
Contatado a mando Catarina de
Medici na corte de Cosimo I, o Cardeal Alexandre Farnese desde o início vinha atuando
pela conspiração e, em 1555, aliciou o cortesão Pandolfo Pucci.
A
família Pucci fora sempre fiel aliada dos Medici e enriquecera por isso. Mas
Pandolfo - apesar de gozar a simpatia de Cosimo por sua conversação inteligente
e vivaz, e ser mesmo um de seus cortesãos prediletos - por muito tempo,
entretanto, teria dissimulado suas diferenças pessoais com ele. Pandolfo fora preso em 1541 por precaução,
acusado de “vício florentino”, só liberado por intervenção de seu pai, o
Cardeal Roberto Pucci. Porém, determinante da entrada de Pandolfo na
conspiração fora o fato de seu tio materno, o banqueiro Bertoldo Corsini, ter sido
executado em 1555 por incitação aos republicanos de Siena e ajuda econômica à
Republica da cidade sitiada. Pandolfo teria entrado na conjura por este motivo,
e a partir daquela ocasião.
Apesar de privar com Cosimo, Pandolfo não
tinha segurança para atuar sozinho no assassinato, pois Cosimo tinha melhor
complexão física do que ele.
Os planos dos conspiradores em determinado
momento previam que Pandolfo Pucci e o conspirador Bernardino Corbinelli
atingissem Cosimo com um tiro de arcabuz, tiro que deveria sair da janela da casa
de um parente de Pandolfo, Puccio Pucci, quando o cortejo ducal fizesse a curva
pela via Servi para se encaminhar para a Piazza della Santissima Anunziatta - já
que o duque se deslocava, habitualmente, por ali para as celebrações religiosas
da Basílica. Enquanto isso, um membro
contestador da própria família Medici, Lourenço de Jacobo de Medici, reuniria
homens e cavalos para tomar a Fortaleza.
A conspiração já se alongava, mas os
conspiradores ainda não decidiam definitivamente o modo mais seguro de agir.
Participava também da trama o parente da
família ampla, tido como sobrinho de Bartolomeo, Stolto Cavalcanti - filho do
muito rico banqueiro Tomasso, do ramo Ciampoli da família Cavalcanti. Com cerca
de trinta e dois anos, Stolto teria se envolvido na conspiração por questões políticas
e especialmente pessoais – o assassinato do seu irmão bem mais moço, Francisco,
rapaz com uns dezenove, vinte anos (20), morto por amigos dos Médici em
Florença - crime que ficara impune.
Bartolomeo Cavalcanti em Roma, em reunião
com Pandolfo Pucci, recomendara finalmente que os conjurados agissem e agissem
rápido, pois a conjuração já era conhecida.
Stolto
Cavalcanti teria estado em Pádua com Bartolomeo antes de ir à França para estabelecer
contatos na corte francesa em 1558 e, provavelmente, aceitou a missão perigosa
que o deteve até o final em Florença.
Determinados a agir, o cardeal Farnese mandara
Pandolfo pedir ao seu irmão Otavio Farnese, duque de Parma, armamentos para
explodir Cosimo.
Assim combinados, os conjurados pretenderam explodir
o trono de Cosimo I num grande ato de simbolismo religioso contra os tiranos,
durante a própria celebração da missa de morte do imperador Carlos V em 3 de
outubro de 1559 (21).
Mas estes últimos planos, sem que fossem
executados, vazaram.
Em 7 de outubro de 1559
Pandolfo Pucci já estava preso. Ameaçado, delatou os envolvidos.
Uma carta do próprio Cosimo I enviada ao
duque de Ferrara, em dezembro, relata o que já se apurara. No texto da carta Cosimo
queixava-se, indicando a liderança de Bartolomeo Cavalcanti: “questi modi ando
pandolfo a Roma e lo conferi com bartolomeo Cavalcanti il qual aprovo e lodo
tutto... [. uma segunda vez] pandolfo ando a roma a parlar a cavalcanti il qual
riprendendoli di tardita e negligencia ma que aspettassi altra occasione e
veneto non si perdessi” (22).
Pandolfo Pucci foi enforcado logo no começo do
ano seguinte em uma das janelas do Bargello. Os demais, o jovem Stolto Cavalcanti, Puccio
Pucci, magistrado dos oito, e Lorenzo di Iacobo Medici – decapitados
publicamente na praça Sto. Apolinário em seguida a Pandolfo, todos no mesmo
dia.
Nesta ocasião, os envolvidos na
conspiração que tentavam fugir eram já terrivelmente caçados pelos mercenários
do Medici - vítimas, depois, de mortes trágicas.
Cosimo I não iria mais esquecer a
periculosidade representada pelos Cavalcanti, periculosidade que ele próprio
deixava bem clara na carta em que atribuía responsabilidade maior a Bartolomeo
di Mainardo Cavalcanti, sua liderança no episódio conspirativo.
Perseguido,
Bartolomeo Cavalcanti passara ao sul-veneto em 1559.
E Filippo Cavalcanti, do nosso ramo, que
fontes orais familiares brasileiras insistentes afirmam ter participado da
conspiração com seus demais parentes, oportunamente havia já alcançado Portugal
em 1558 - mas não se sentindo ainda aí seguro rumou para o Brasil no começo de
1560 (23).
A família Cavalcanti como um todo, por
seus vários ramos já distribuídos pela Europa participara na luta anti-medici pelo
menos desde a Segunda República.
Entre os membros da família Cavalcanti atuando
em maior ou menor grau, com riscos maiores ou menores durante a conspiração
entre 1555-59, citamos: o filho Giovanni de Batolomeo, refém de Cosimo e que
não pode herdar seus bens; o banqueiro Tomasso Cavalcanti e ainda seu outro
filho Giovanbatistta, pai e irmão de Stolto, arrestados em seus bens, mais
tarde devolvidos; na corte francesa de Versailles a família de Lucrecia
Cavalcanti e seu marido Bernard Del Bene em especial contato com o banqueiro
ativista Francisco Nasi, este detido em Florença e depois liberado; na
Inglaterra, o do ramo brasileiro Guido di Giovanni, irmão de Filippo, pouco depois
chamado da Inglaterra pela corte francesa para colaborar na com sua prima Lucrecia
na luta anti-medici, substituindo Bartolomeo; por fim Schiatta, também irmão de
Guido e Filippo, com certeza experiente, que encontraremos pouco depois comerciando
em Amsterdã sob a proteção da duquesa de Parma (24).
O
mais triste fim terá, entretanto, o conspirador Bernardino Corbinelli. Mesmo depois
de dez anos em fuga pela Europa, foi por fim assassinado em 1569 por um sicário
de Cosme I em Lyon, na França (25).
Conspiradores punidos publicamente, incriminados
foragidos - sempre perseguidos. Ainda uma das janelas da via Servi, por onde os
conspiradores pretendiam atingir Cosimo, pelo próprio Medici curiosamente
vedada - e até hoje lembrança histórica do episódio (26).
Bartolomeo
Cavalcanti, que fora excelente orador, ao fim da vida foragido, escreve mais
uma obra literária, “Retórica”, no ano de 1559 - obra na qual pretende
codificar a arte da oratória segundo os preceitos aristotélicos, defendendo sua
função além de literária, prática e mesmo cívica.
Já com dificuldades econômicas pela lutas
políticas que enfrentou, nas quais comprometera não só a fortuna familiar, também
sua juventude e maturidade (27), Bartolomeo foi obrigado, por segurança, a se manter
exilado em Pádua a convite do cardeal du Tournon, e nesta cidade vem a falecer
em 5 de dezembro de 1562.
Entretanto,
fato ainda significativo - logo depois da morte de Bartolomeo Cavalcanti, Guido
Cavalcanti, do ramo brasileiro e irmão de Filippo estará em 1563 em cargo de
confiança na corte francesa, substituindo o já lendário conspirador da família
ampla. Catarina de Médici sentira,
certamente, a necessidade de ter perto de si um novo e “sdegnoso” Cavalcanti,
família reconhecida por seu destemor ante seus parentes Medici prepotentes, para
dar continuidade aos seus planejamentos punitivos.
A partir de 1572 Guido di Giovanni
Cavalcanti exercerá, com seu talento de diplomata informal, as mesmas funções
que desde muito jovem exercera na Inglaterra com o irmão Schiatta, a exemplo do
pai Giovanni di Lorenzo – e será mais tarde elevado a Conselheiro Real do Estado
francês. Colaborando com a diplomacia francesa relativa à Florença, não sabemos
em que medida nosso Guido Cavalcanti estará envolvido nos negócios de Estado e
nos assuntos conspiratórios florentinos desta rainha contra os Medici da
Toscana por volta de 1575. Mas ao contrario do seu muito infeliz parente - o
jovem Nicolo di Bastiano Cavalcanti, enforcado no ápice de novos acontecimentos
conspiratórios descobertos em Florença no ano de 1575, ainda envolvido em um
novo motim contra os Médici (28) - Guido terá melhor sorte... e vida longa, sempre
prestigiado por Catarina de Medici.
Muito bem recebido, com suas qualidades
ressaltadas, Guido foi nesta corte também enaltecido como poeta, considerado o
segundo poeta Guido Cavalcanti da família (29).
Sobre as relações de amizade e fidelidade
entre Catarina de Médici e a família Cavalcanti muito falta, entretanto, acrescentar.
O reconhecimento de Catarina aos Mainardo Cavalcanti, pai e filho, é assunto
histórico a esclarecer ainda com detalhes.
Em sua luta pela República, sem
adjetivos, Bartolomeo foi sempre apoiado por esta rainha que acolheu sua filha Lucrecia
com amizade, o escolheu seu representante em Siena, acompanhou com certeza a situação
dolorosa de seu filho Giovanni, refém de Cosimo I; deu por fim o seu aval para a
desesperada e vingativa conspiração de 1559 que pretendeu explodir o trono do poderoso
e tirânico duque da Toscana.
Catarina teria recebido com igual
gentileza em sua corte o filho do banqueiro Tomasso Cavalcanti - o elegante e
decidido Stolto. Deve ter sinceramente lamentado a morte trágica deste tão
jovem e sofisticado Cavalcanti, decapitado - ainda o fim inglório do próprio Bartolomeo
e do sofrido banqueiro Tomasso - tantos outros Cavalcanti ainda exilados e foragidos
(30).
Cremos que a visita de Catarina ao ”Grand
Chateau du Perron” em 1564, residência de Lucrecia Cavalcanti, para prestigiar
esta sua dama de honra após a morte do seu pai Bartolomeo na companhia de seu
filho, o rei Henrique III, nos dará a medida da amizade e do reconhecimento desta
rainha aos Cavalcanti - em especial à descendência francesa do sincero e
empenhado florentino (31) (32).
Não merecesse, igualmente, Bartolomeo di
Mainardo Cavalcanti, um Cavallereschi, a lembrança da própria família
Cavalcanti e o reconhecimento de gerações republicanas.
Notas
(1) Trevisane, Cesare – La conjura di Pandolfo Pucci, Florenze, tip.
De Monnier, 1852, romance, em pdf, com descrição de Bartolomeo pg. 91 e
seguintes. Em 1558 Bartolomeo tramava a Conspiração a eclodir em Florença
contra os Medici no ano seguinte, 1559.
(2) Bibliografia básica deste
ensaio sobre Bartolomeo di Mainardo Cavalcanti:
Simoncelli, Paolo - Fuoriuscitismo
Republicano Florentino, FrancoAngeli, 2006, trechos da Introdução citados
pg. 10 e 11. Bartolomeo especialmente citado nas pg. 348, 352, 355, 365, em
nota a pagina 352 que cita como fonte Carta Strozziana seri I filza 100,
c 39 r., lettera d i 10 agosto 1537. Consultar também Indice Onomástico, onde
Bartolomeo é ainda diversas vezes referido. Aguardamos, para ainda mais
detalhes sobre Bartolomeo, o próximo livro prometido por este autor. .
Frigo, Daniela – Politics and diplomaticy in
early. modern Italy, Cambridge Studies in Itália, 2000, pg. 56, 55.
Cavalcanti, Sylvio Umberto - Se chiamavano Cavalcanti, formato
PDF, Ed.eletrônica on-line, anos referentes 1503, 1527, 1530, 1532, 1533, 1552,
1554, 1555 e sua tabela genealógica, TavolaCavalcantiFirenze pdf
Torres, Rosa Sampaio – artigo “Conjuração
Pucci & Cavalcanti”, 2011 especialmente nota 12, http://rosasampaiotorres.blogspot.com
Torres, Rosa Sampaio – artigo “Medici X Cavalcanti”, http://4shared.com/
, 2012.
Lettere di Bartolomeo Cavalcanti:
tratte degli originali, prefacio Amadio Ronchini, Arquivo governativo di
Parma, Biblio Bazaar, 2010.
Diciotto Lettere inédite di Bartolomeo Cavalcanti,
prefácio Giuseppe Campori, Modena, Carlo Vicenzi, 1868, apêndice com carta de
Cosimo I.
Lettere di Bartolomeo
Cavalcanti, tratte dagli originali, prefácio Amadio Ronchini, Presso
Gaetano Romagnole, Bolonha, 1869.
Bulletin Italien, vol. 1 e 2, Feret e Fis, Université Bordeau, 1901.
Roucher, Jean Antoine - Collection
Universelle des Memoires Particuliers vol .23 Londres, Paris, rue Anjou-Dauphine,
1785 p.232, 233, pdf 1530-54.
(3) Em 1393, Messer Carlo com seu
irmão Otto eram do “popolo” em Florença, sob a denominação Cavallereschi.
Messer Carlo e Otto eram filhos de Mainardo Cavalcanti, ramo que havia saído
temporariamente de Florença no fim do século XIII. Mainardo Cavalcanti,
Marechal do Reino de Nápoles em 1372, foi protetor de Bocaccio, casado com Andreola
Acciaioli e faleceu de modo violento em 1380. (Cavalcanti, Sylvio Umberto - Se
Chiamavano Cavalcanti, formato PDF, Ed.eletrônica, anos referentes e sua TavolaCavalcantiFirenze
pdf)
(4) Outros Cavalcanti citados por Varchi nesta
ocasião: Giovanni di Lorenzo Cavalcanti do ramo Cavalleschi que vem para o Brasil
e, do ramo Papero, Matteo Cavalcanti. Também Niccolò e seu filho Francisco, o
Sprazza, entre vários outros cidadãos proeminentes. Fonte Varchi, Benedetto - Storia
Florentina – per cura de Lélio Arbib, Florence, 1838-1841, I, pág. 135-36.
Os ramos indicados foram nosso acrescentamento tirado da arvore genalógica de
Cavalcanti, Sylvio Umberto - TavolaCavalcantiFirenze pdf. Esta arvore cita
Matteo (1462 -? ) do ramo Papero, casado com Catarina Strozzi ( 1499). Os
outros nomes referidos, Nicolo e Francisco, não conseguimos identificar o ramo,
no período referido, já que estes prenomes se repetem freqüentemente neste
ramo.
(5) Destruição de castelos que
haviam pertencido a muito antigas famílias feudais aparentadas dos Cavalcanti
em Grieve e em Val de Pesa, e em suas propriedades rurais de Ostina e Luco, no
val d´Arno superior. Estes episódios de destruição popular foram facilitados pela
incitação política do partido dos guelfo “negro”, rivais dos Cavalcanti que
eram guelfos “brancos” e também “magnati”.
Sobre a destruição dos castelos dos
Cavalcanti nas redondezas de Florença nos conflitos do ano de 1304 com a
participação popular, consultar Torres, Rosa Sampaio – artigo “Cavalcantis em
Florença”, http://rosasampaiotorres.blogspot.com
e, da mesma autora proximamente o livro “A família Cavacanti, Florença, séc.
XIII”. Ainda outros artigos paralelos da autora sobre a família Cavalcanti e em
particular sobre o poeta Guido Cavalcanti,
(6) Giovanni di Lorenzo
Cavalcanti, o ancestral do nosso ramo brasileiro, utilizou politicamente, como ocorreu
em outros casos neste período, sua função de mercador de arte e mecenas, ao
tentar retomar seus projetos artísticos para o túmulo de Henrique VIII, visando
atraí-lo para a causa anti-medici. Giovanni di Lorenzo exportou também, sabemos
por Vasari, o quadro ”Rebecca al Pozzo” encomendado ao pintor Il Rosso
(1496-1540) que usava temas bíblicos, simbólicos de liberdade, pintor que se
exilou depois também na França. Torres, Rosa Sampaio – artigo “Giovanni di
Lorenzo Cavalcanti e seus filhos...” e o específico “Rebeca ao Poço”, no blog www.rosasampaiotorres.blogspot.com/
(7) Os revoltosos radicais
pretenderam que a pequena Catarina de Médici fosse baixada numa canastra nas
muralhas da cidade, frente à tropa, ou que fosse enviada para um bordel
militar. Por fim, Catarina teve que desfilar no meio de turba enfurecida. Frida,
Leonie – Catarina de Medici, tradução Ofelia Castillo Siglo XXI, de
Espanha Editores, março, 2006, especialmente pgs. 25, 30, 34, com fontes.
Lembramos que o republicano decidido, mas não
radical, Nicolo Capponi, quando gonfaliero em 1527/1529 fez doações ao convento
do Murate onde a pequena Catarina de Medici foi mantida como refém e ainda educada,
período de Republica plena. Capponi era um republicano da confiança do poderoso
banqueiro Filippo Strozzi, mas a pequena Catarina lhe tinha sido entregue num
ato violento, absolutamente contra a própria vontade de sua tia Clarice
Medici-Strozzi, esposa do Strozzi. Consultar
sobre este assunto Torres, Rosa Sampaio – artigo citado “Medici X Cavalcanti”, http://4shared.com/
com fontes.
O
pai de Nicolo Capponi, Piero Capponi, já havia participado da formação do
primeiro governo de Savanarola. E, os descendentes de Nicolo, depois envolvidos
na conspiração Pucci & Ridolfi de 157, serão ainda muito violentamente
perseguidos pelos filhos de Cosimo I de Médici por suas posturas republicanas.
A postura “ottimati” estrita já no primeiro
momento da revolução de Savanarola era criticada – ainda críticas apresentadas
pelo jurista florentino Francesco Guicciardini em seu trabalho “Dialogo del
Reggimento di Firenze” de 1521-25.
Especificamente sobre as tendências e os
ordenamentos jurídicos da República de Florença no começo do século XVI, existe
artigo em português do doutor em História Social da Cultura pela PUC-RJ, Felipe
Teixeira Charbel – “Debate e consenso no Diálogo del Reggimento di Firenze de
Francesco Guicciardini”, pdf, mídia eletônica.
(8) Maquiavel, um decidido
republicano no período da chamada Primeira Republica florentina, teria se correspondido
uma ou duas vezes com Bartolomeo Cavalcanti, uma delas comprovadamente em 1 de
novembro de 1526, carta citada em várias fontes.
(9) A presença de um filho
pequeno de Giovanni di Lorenzo neste cortejo é notada em fonte primária e
repetida por várias fontes secundárias, estas ultimas sempre referindo a seu
filho Guido, talvez por este ter vivido na França depois de 63. Questionamos estas fontes secundárias,
pois acreditamos fosse Guido ainda muito pequeno em 1533, pois nascido em 27.
Sabemos que Guido exerceu durante muitos anos atividades, como o pai, de
comerciante de artes e diplomata informal com seu irmão Schiatta na Inglaterra
e somente em 1563 estará comprovadamente na França, exercendo ainda funções
para a Catarina de Médici. Sobre a pequena Lucrecia e o jovem filho de Giovanni
di Lorenzo Cavalcanti no cortejo do casamento de Catarina ver questionamentos e
fontes Torres, Rosa Sampaio - artigo “Giovanni di Lorenzo Cavalcanti e seus
filhos” e nota 25.
(10) Sobre o episódio de tortura
de Giuliano Gondi que antecede a morte de Filippo Strozzi, referida em várias
fontes, consultar especialmente Napier, Henry Edward – Florentine History,
Edward Moxon, 1847, London, pg. 102, 103. Também Torres, Rosa Sampaio – artigo citado
“Medici X Cavalcanti”, http://4shared.com/
(11) Simoncelli, Paolo - Fuoriuscitismo
Republicano Florentino, FrancoAngeli, 2006.
(12) O quadro, possivelmente um
“d´àpres” François Clouet (1510-1572), pintor preferido da rainha francesa é referido
por Guégan, Stéphane e Garnier-Pelle, Nicole - Les Tableaux de Chantilly,
Paris, Flamarion, 2009, e teria sido exposto neste Castelo de Chantilly.
(13) Estas ligações se faziam em
Roma (através o Cardeal Tournon), Veneza (Francisco Nazi), e Ferrara (o próprio
duque de Ferrara). Balsamo, Jean – De
Dante à Chiabera, Droz 2007, pg. 260 e Societé de l`ecole des Charles Bibliotheque
de Lécole des Charles, vol.127, parte 2, 1969. Consultar mais fontes
em Torres, Rosa Sampaio - artigo “Conspiração Pucci & Cavalcanti”, notas 12
e 22 em www.rosasampaiotorres.blogspot.com/
(14) No Chateau du Grand Perron,
nas proximidades de Lyon, Lucrecia Cavalcanti irá viver casada com del Bene. Lucrecia, quando criança, acompanhara Catarina
como pajem de seu casamento e adiante será sua dama de honra e amiga, posteriormente
ainda dama de honra de Maria de Médici, esposa de Henrique IV. Sobre a descendência
da própria Lucrecia, de seu irmão Giovanni e de sua irmã Cassandra, ver notas
abaixo 24 e 28.
Informações sobre Lucrecia, ou “Lucrèce”,
selecionadas em vários livros de genealogia disponíveis na mídia eletrônica,
pesquisa “Lucrèce Cavalcanti” e “Chateau du Grand Perron”. Também Menue, Emil Perret de la – Recherches
Historiques sur le Chateau du Perron a Oullins, Aimé Vingtrinier,
Lyon, 1868, pg. 26, 27 pdf .
(15) Texto reproduzido de Torres,
Rosa Sampaio - artigo “Médici X Cavalcanti” http://4shared.com/ com fontes nas
notas 55, 56, 57.
(16) Simoncelli, Paolo – opus
cit., pg.201 e ASF por Deputacione Toscana di Storia Pátria, pg. 231.
(17) Texto reproduzido de Torres, Rosa Sampaio
– artigo “Médici X Cavalcanti” http://4shared.com/ com fontes nas nota 58. Já
em 1478, em Florença, teve lugar a violenta repressão à conspiração dos Pazzi,
em que havia sido morto Giuliano de Médici, e na qual os Salviati atuaram como
lideranças.
(18) Depois da derrota de Scannagallo, agosto
de 1554, centenas de famílias sienenses haviam se juntado às forças do
comandante ferido, Piero Strozzi, que se recuperava de ferimentos na fortaleza
de Montalcino. Por quatro anos estas famílias, aí abrigadas pela celebre
fortaleza, haviam vivido e resistido pela liberdade, ordenando-se nas regras
republicanas e populares da própria Siena. Mas, em 1559, teve fim “A República
Popular de Siena Retirada para Montalcino” que sabemos hoje, episódio histórico
significativo. Com a paz de Cateau
Cambrèsis entre França e Espanha, a região foi cedida financeiramente pelos
espanhóis à Cosimo I. E este estruturara, finalmente, seu tão desejado Grão-Ducado
da Toscana.
A queda definitiva da Republica
Retirada para Montalcino” e a descoberta da “Conspiracão Pucci &
Cavalcanti” – dois episódios ocorridos em outubro do mesmo ano constituem momentos
históricos culminantes da resistência da Republica Florentina aos Médici
dominantes na Toscana, e se situam, portanto, num mesmo contexto histórico. O
assunto é também abordado em seu contexto amplo em Torres, Rosa Sampaio –
artigo “Médici X Cavalcanti” http://4shared.com/
(19) As infomações a partir daqui
citadas e que se relacionam à Conspiração Pucci & Cavalcanti, são conclusões
inéditas do artigo de Torres, Rosa Sampaio – “Conspiração Pucci &
Cavalcanti “www.rosasampiotorres.blogspot.com/,
cujas fontes são referidas especialmente nas notas 30, 31, 35, 36 e 43.
(20) O muito jovem Francisco di
Tomasso Cavalcanti teria sido assassinado por amigos dos Medici em 1557, data indicada
por Cavalcanti, Sylvio Umberto - TavolaCavalcantiFirenze pdf, ele nascido em 11
de abril de 1537 - data de nascimento gentilmente indicada à autora por
Francisco Antonio Doria que a localizou no ASF Cittadinario 4, Santa Croce
1400-1500 fol.1.
A data do nascimento de Stolto consta também
deste mesmo documento. A data exata de sua morte, controversa, provavelmente,
janeiro de 60. Discussão em Torres, Rosa Sampaio – artigo citado “Conspiração
Pucci & Cavalcanti”.
(21) Comentários relativos a
estas tentativas de morte de tiranos em cerimônias religiosas, já tidas como
simbólicas, foram feitos por Baldassare Castiglione, diplomata a serviço do
papa Clemente VII (1478-1529) no seu livro O Cortesão, obra já de 1528,
muito difundida nas cortes da época.
Já no século anterior, Girolamo Olgiati, muito
jovem, consciente e culto republicano, com outros dois companheiros, assassinou
o tirânico duque Galleazzo Maria Sforza de Milão no interior da própria Igreja
de Sto. Estevão, em 26 de dezembro de 1476. Olgiati estaria se reportando à história
romana, provavelmente à morte de Cesar por Brutus (Nicolau Maquiavel - Historia
de Florença, capitulo “A morte do Duque”).
Também na conspiração Pazzi dois anos
depois, 1478 em Florença, Giuliano de Médici é morto e seu irmão Lourenço, o
Magnífico, sai ferido, episódio ocorrido também simbolicamente dentro de uma
igreja, como forma de protesto pela liberdade e contra a tirania. Já no século XVI, a figura de Brutus é
referida à causa republicana de forma recorrente na península italiana.
(22) Carta de Cosimo in Diciotto
Lettere di Bartolomeo Cavalcanti, citada, p.31-34. Trevisane, Cesar – opus
cit, pág. 155. Ainda transcrita Torres, Rosa Sampaio – “Conspiração Pucci
& Cavalcanti “www.rosasampiotorres.blogspot.com/,
notas 35 e 43.
(23) Em 1558 Bartolomeo
Cavalcanti seria já um conspirador muito experiente. Desde 1527 trabalhava não
só militarmente, mas também conspirando ativamente contra os Medici e pela
Republica. Stolto, tido como seu
sobrinho, na verdade seria um parente colateral do ramo "Ciampolo", e
talvez escalado para missão de ultima hora e mais perigosa, ele não tivesse
conseguido livrar de punição dos Medici. Jovem (17 de junho 1526 - janeiro
1560) e sofisticado, Stolto certamente ficara muito indignado pelo assassinato
do seu irmão, quase adolescente, de dezenove, vinte anos (nascido 11 de abril
de 1537-falecido 1557), e teria aceitado incumbência deveras arriscada que o
deteve, até o fim, em Florença.
Mas Filippo do ramo brasileiro, um
Cavalleschi, Bartolomeo havia certamente conhecido muito pequeno na Florença
conflagrada, enquanto atuava com seu pai Giovanni di Lorenzo. Possivelmente o teria alertado e avisado para
que escapasse logo, e a tempo. Objetivamente, ao ter conhecimento de qualquer
informação Filippo poderia ser envolvido, incriminado, com penas severíssimas e
mesmo cruéis. Com certeza, já homem feito, politicamente muito experiente - como
os seus talentosos irmãos já se haviam demonstrado, Filippo teria no mínimo dosado
seus grandes riscos e deixado a Europa célere - tentando obter em tempo seu
certificado de nobreza, em Portugal. A
conspiração já se alongava e Bartolomeo, que se mantinha em Roma, havia cobrado
de Pandolfo Pucci por ação. Bartolomeo, ele próprio, oportunamente também fugiu
para o sul-veneto e se pôs em segurança sob a proteção do Cardeal Tourlon em
Pádua.
As muito variadas informações contidas
nesta nota têm todas as suas fontes indicadas em nossos diversos trabalhos, mas
dada a necessidade de síntese não nos foi possível citá-las todas
particularmente. Chamo a atenção para o fato de que, nesta nota, estamos aceitando
as referências de fontes orais tradicionais da historiografia brasileira sobre
a migração de Filippo que sistematicamente repetem seu envolvimento nesta conspiração,
e que parecem se encaixar perfeitamente aos fatos relatados. Incluímos neste resumo,
a data de nascimento de Stolto di Tomasso e de Francisco di Tomasso,
gentilmente indicadas por Francisco Antonio Doria no ASF Cittadinario 4, Santa
Croce 1400-1500, fol. 1.
(24) Trecho também fruto de muito
variadas informações. Mesmo caso da nota acima.
(25) Carta, Paolo – La
Republique em Exil, XVXVI siècles. ENS, 2002, p. 105, e nota, usando como
fonte carta de Iacobo Corbinelli a Jean Vicenzo Pinelli, Paris, 27 de junho de
1569. O caso dos irmãos Corbinelli, Bernardino e Iacopo, a que tudo indica
parentes dos Gondi, é muito interessante. Iacobo, perseguido por envolvimento com seu irmão
Bernardino nesta conspiração, consegue se exilar na corte francesa e aí vem a se
tornar celebre intelectual, denunciando depois publicamente a morte do próprio irmão.
Ver mais Torres, Rosa Sampaio – artigo citado “Conspiração Pucci &
Cavalcanti”, texto e nota 44.
(26) Outros símbolos destes
acontecimentos dramáticos se fazem, ainda hoje, presentes em Florença, não
sòmente a janela vedada da via Servi.
Após
a tragédia que abala sua família, a morte de seus dois irmãos - um assassinado
o outro decapitado - e a de seu pai ainda logo em seguida, o jovem
Giovanbattista Cavalcanti, do ramo Ciompi, homenageia a figura paterna em 1562
criando uma capela na igreja do Santo Espírito, em Florença, hoje muito afamada
pelos seus mármores preciosos e um busto de Tomasso Cavalcanti de autoria de
Agnolo Montosorli, que ainda lá se encontra.
Igualmente, encontramos no
Museu do Bargello, ainda hoje, o famoso busto de Virgínia Pucci-Ridolfi, filha
de Pandolfo Pucci - lembrando sua orfandade e a de seus irmãos. Irmãos que, quinze
anos depois, em 1575, por nova e desesperada conspiração ainda tentaram vingar-se
dos Médici e com igual severidade foram punidos - o jovem Oracio Pucci
decapitado e outros dois, um envenenado e outro morto por serviçal.
Para completa dimensão dos fatos que se seguem à Conspiração Pucci &
Cavalcanti, consultar nosso trabalho “Conspiração Pucci & Cavalcanti – 2ª
parte, Conspiração Pucci & Ridolfi”, onde este episódios contestadores subseqüentes
à morte de Bartolomeo em Florença são ainda detidamente abordados - a terrível
reação dos filhos de Cosimo de Médici ainda analisada, reação que envolve ainda
mais tragicamente as jovens figuras femininas desta família, as belíssimas Isabelle
e Eleonora.
(27) O único filho de Bartolomeo, Giovanni di
Bartolomeo Cavalcanti, nascido em 23 julho de 1526, com uns 29 anos foi preso
como refém por Cosimo I no fim do cerco de Siena, 1554/55. Este filho de Bartolomeo,
Giovanni, não teria sido bem sucedido posteriormente em suas pretensões de
obter, junto ao mesmo Cosme I, a herança de sua avó paterna Ginevra Cavalcanti,
em Florença - a filha do riquíssimo Giovanni di Nicolo di Giovanni di Amerigo
Cavalcanti, acima citado no texto. O jovem Giovanni di Bartolomeo teria ainda tentado
a interferência de sua irmã Lucrecia, na corte francesa. Sentindo-se perseguido
e injustiçado pelo governo de Florença, Giovanni pretendeu reunir-se a esta
irmã, já viúva na França, para auxiliá-la na criação dos sobrinhos. Cosimo I
não teria esquecido, entretanto, a decidida atuação conspiratória de seu pai que
atentara contra sua vida em 1559. Giovanni di Bartolomeo, ao que tudo indica,
acabou por viver em Roma e casou três vezes: com Lucrecia Capponi, Luiza
Ridolfi e Tarquinea de Bufalo. Seus filhos foram Mainardo, Francisco, Guido e
Bartolomeo, este último filho de Tarquinea e considerado pelo genealogista Sylvio
Cavalcanti, “o último dos Cavalereschi”.
Fontes sobre Giovanni di Bartolomeo, cartas
citadas em Lettere di Bartolomeo Cavalcanti - prefácio Amadio
Ronchini, pg. 26 e 27 e nota. Sobre a tentativa de obter a herança de sua
avó Genevra Cavalcanti, Sylvio Umberto – opus cit., ano 1559, e
descendência na tabela genealógica citada.
Data de nascimento encontrada pos nós no
ASF, Cittadinario 4, Santa Croce 1400-1500, fol.1.
(28) Sobre o infeliz Nicolo di Bastiano Cavalcanti,
e a completa dimensão dos fatos da “Conspiração Pucci e Ridolfi” nos anos
seguintes até 1575, consultar Torres, Rosa Sampaio – artigo “Conspiração Pucci
& Cavalcanti, com II Parte “Conspiração Pucci & Ridofi”. Neste artigo
os episódios contestadores em Florença, ainda subseqüentes à morte de
Bartolomeo no ano de 1575 são detidamente abordados, com todas as fontes
indicadas.
(29) Detalhes mais aprofundados sobre
a atuação diplomática de Guido di Giovanni Cavalcanti, do ramo brasileiro na
corte inglesa e francesa, consultar Torres, Rosa Sampaio - artigo “Médici X
Cavalcanti”, texto e notas 123, 124 e 125. Comenta o historiador literário:
“The Cavalcanti reappear now and then in later european history: and especially
we hear of a second Guido
Cavalcanti, who also cultived poetry...”. Alighieri, Dante - The
early Italian Poets (1100-1200), Dante Gabrielli Rosseti, 1861, pg. 204.
(30) O banqueiro Tomasso Cavalcanti faleceu no
mesmo ano de 1560, possivelmente com tantos sofrimentos pela situação dos
filhos, um assassinado, outro decapitado. Seu terceiro filho, o mais velho,
Giovanbatistta, em 1559 já estaria comerciando com a Câmara Apostólica
portuguesa, talvez já preparando o caminho para fuga. Giovanbattista foi finalmente
inocentado por Cosimo, estabelecido que ele não teria tido envolvimento na conspiração,
sendo-lhe devolvido os bens arrestados de seus familiares falescidos. Posteriormente,
teria construído a celebre capela para o pai em 1563 e, sabemos, teve casa bancária
localizada em Roma.
Mas entre os demais membros da família Cavalcanti,
foragidos de Florença ainda nesta ocasião, podemos citar: o filho Giovanni di
Batolomeo, vivendo em Roma; a família de Lucrecia e agora o nosso próprio Guido
di Giovanni, atuando em substituição a Bartolomeo, na corte francesa, onde irão
permanecer definitivamente; Schiatta, irmão de Guido e de Filippo, pelo menos
por algum tempo em Amsterdã, atuando em negócios de sal sob a proteção da
duquesa de Parma, ao que tudo indica uma aliada da rainha francesa e dos Cavalcanti.
O irmão mais moço Giovanni di Giovanni em Lyon. Nosso Filippo Cavalcanti irá
permanecer definitivamente, já bem mais longe, no Brasil...
Esta
nota também é uma síntese dos nossos vários trabalhos, mesmo caso das notas 20
e 21. Acrescentados apenas as referências a Gianbattista di Tomasso,
referências recentemente obtidas em trabalho do Instituto de Cultura
Italiana em Portugal -Estudos Italianos em Portugal, Edições
23-27, Ed. do próprio Instituto, 1964, pg.11,12, onde é referido ainda seu
casamento com uma sobrinha do muito rico comerciante e banqueiro Lucas Giraldi,
também a associação de sua casa bancária em Roma, não só a Luccas e Nicolau
Giraldes em Portugal, mas também com a de Alfaitati em Amsterdã.
A
atuação do jovem caçula Giovani di Giovanni Cavalcanti, também filho de
Giovanni di Lorenzo, que esteve na Inglaterra, em Paris e Lyon a que tudo
indica como “foriusciti”, será abordada em um próximo trabalho em elaboração.
(31) No castelo do “Grand Perron”, Lucrecia
Cavalcanti receberá, com honras, a visita da rainha Catarina e do rei Henrique
III, depois da morte de seu pai Bartolomeo Cavalcanti. O filho de Lucrecia, Alessandro d´Elbène,
nascido em Lyon (1554-1613), vem a se destacar como militar e, em 1597, chega
também a Conselheiro de Estado francês - cargo que já ocupara o nosso Guido di
Giovanni Cavalcanti, um Cavalleschi, talvez mesmo em sua substituição.
Outro filho de Lucrecia, Pierre, abade e humanista foi assistente na
corte francesa do erudito florentino Jacobo Corbinelli - citado na nota 25 e que
havia sido perseguido como seu irmão Bernardino por envolvimento nesta “Conspiração
Pucci & Cavalcanti” de 59 (Mais detalhes nosso artigo específico). Pierre
del Bene acompanhará Jacobo Corbinelli na leitura de Tácito, Políbio e Maquiavel,
este o pensador preferido de seu avô Bartolomeo Cavalcanti. Pierre d´Elbène, ou
simplesmente del Bene, foi nomeado “aumonier” em 1558 para a corte de Charles
IX, filho de Catarina. Foi também poeta. Falecido em 1590.
Um Bartolomeo del Bene (ainda descendente
de Lucrecia?) publicou em Paris uma obra, “Civitas Veri”, em 1609.
Cassandra, a outra filha de Bartolomeo
Cavalcanti e Dianora Gondi, teria vivido em Florença, casada com o fidalgo Píer
Antonio Bandini. Sua filha foi Dianora Bandini casada com Lorenzo Strozzi (1539-1609),
pais de Madalena Strozzi. Madalena entrou para a família Salviati, casada com
Lorenzo, Marquês de Giuliano (1568- 1609).
Sobre Pierre dÉlbène informações em Birague, Flaminio de – Les
primières oeuvres poétiques (1585), tomo III, Droz 2004 pg. 172.
Falecido em 1590, Scalieger , Joseph
Juste – Lettres françaises inedites, Publiees e anotees par
Phillipe Tamisey de Larroque, Slakine Reprints, 1970. As demais
fontes consultadas sobre a descendência de Bartolomeo Cavalcanti estão
referidas em Torres, Rosa Sampaio – artigo citado “Conspiração Pucci &
Cavalcanti”, nota 22.
(32) O castelo Du Peron hoje se
encontra em abandono e decadência, mas à lareira ainda estaria antigo brasão
dos Cavalcanti.