Mais do que Plumas e Paetês

Fiquei surpresa com a reação dos Cavalcanti brasileiros frente à descoberta recente de seus prestigiados parentes, na Europa do século XVI... Demonstram-se, por vezes, deslumbrados...


Só porque a historiadora inglesa Sinzia Cicca, por seus estudos de arte, descobriu que Giovani di Lorenzo Cavalcanti, pai de Felippo que veio para o Brasil, foi um erudito comerciante de artes e mesmo mecenas, amigo íntimo do papa Leão X e, também, muito prestigiado amigo do rei inglês Henrique VIII.

Ora, mais importante que “estas plumas e paetês” foi a pista que esta historiadora nos forneceu para o entendimento dos Cavalcanti. Esta autora reconhece, sobretudo o posterior papel político do nosso Giovanni di Lorenzo, durante o período da 2ª Republica em Florença (1527-1530), papel já francamente contestador frente aos Medici prepotentes, atuando com seus parentes do ramo Mainardo. Giovanni di Lorenzo, tendo trabalhado na corte de Henrique VIII visava agora, em frente sugestiva e decididamente anti-medici, obter o apoio deste rei para a causa republicana florentina, retomando encomendas artísticas para um seu mausoléu a ser construído em Londres. Fracassada a tentativa republicana, mais tarde enfrentará, com esposa e filhos, exílio na Inglaterra.



Juntando-se a ação política de Giovanni di Lorenzo ao trabalho desenvolvido por seu filho Guido, também diplomata exilado a partir de 1563 já na corte francesa de Catarina de Médici, articulando politicamente para esta rainha contra seus parentes Medici em Florença, teremos dos Cavalcanti, que vêm para o Brasil em 1560, do ramo Cavalleschi, um quadro bem mais completo e comprovado de suas atividades anti–medici e pró republicanas.

Hoje, somos capazes de unindo estes dados de informação, auxiliados ainda pelo trabalho genealógico do italiano Sylvio Umberto Cavalcanti, retomar o caminho de nossa família e refazer sua trajetória de participação, sobretudo de resistência política, na luta pelo sistema republicano. E ainda dar mais credibilidade a nossa tradição oral da vinda do nosso patriarca Felipe para o Brasil fugindo de comprometimento a Conspiração Pucci Cavalcanti de 1559.

Somos capazes agora de ressaltar, com todos os seus méritos, a figura liderante de Bartolomeu di Mainardo Cavalcanti, do ramo Cavallereschi, precursor e lutador pela Republica no seu sentido mais amplo, com sua filha Lucrecia íntimos colaboradores de Catarina de Médici contra seus parentes prepotentes, e constatar os agradecimentos e honras desta rainha aos seus descendentes. A liderança de Bartolomeo na conspiração Pucci & Cavalcanti de 1559 contra a tirania Medici em Florença foi, comprovadamente incontestável.

Voltando ainda bem mais atrás, talvez possamos tentar agora uma nova abordagem da figura de nosso poeta maior, Guido Cavalcanti, lá no século XIII. Guido atualmente é reavaliado pela crítica literária moderna e talvez possamos lançar novas luzes sobre a dimensão política e filosófica de sua obra poética. Guido foi o orientador, mentor mesmo de Dante Alighieri, amigos identificados pela intensa participação na vida republicana de Florença, cidade para a qual tanto colaboraram por seus esforços pessoais e artísticos.



Mais do que “plumas e paetês”, vãs vaidades, recebemos de nossos parentes Cavalcanti de Florença, do século XVI, o que já intuíamos: comprovações de experiência e dignidade frente aos seus ideais políticos e filosóficos maiores, inspirados sempre no amor ao conhecimento e à literatura.

Por isso mesmo gozaram de privilégios e honras, nas cortes européias e mesmo no Brasil, que até hoje nos surpreendem.



Rosa Maria Gusmão de Sampaio Torres

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