Jorge Cavalcanti de Albuquerque – uma revisão historiográfica.
(c. de 1605 - 1695)
Ensaio
Introdução
A figura muito marcante de Jorge Cavalcanti de Albuquerque chama nossa atenção já nos primeiro capítulos do livro “A Fronda dos Mazombos”, livro de autoria do historiador Evaldo Cabral de Mello. E o autor nos faz acompanhar detidamente a atuação do turbulento personagem no fim do século XVII – promotor ele de contestações individuais contra as autoridades portugueses, por fim coordenador de motim popular precursor no ano de 1692 (1).
Entretanto, a personalidade especial de Jorge Cavalcanti nos é apresentada por Cabral de Melo de forma algo deformada - como membro típico da “nobreza da terra” de comportamento abusivo e atrabiliário no período.
Cabral de Mello, ainda, irá repetir estas mesmas colocações sobre a “nobreza da terra” em seu recente livro “A Ferida de Narciso”, quando tece comentários críticos ao comportamento deste segmento social em Pernambuco no fim do século XVII, comentários realizados de forma acre e, mesmo, alegórica (2).
Ora, cremos necessário rever estas afirmativas de nosso historiador, não só as individualmente atribuídas a Jorge Cavalcanti, mas também as relativas de modo amplo à “nobreza da terra” em Pernambuco neste fim de século – colocações construídas sob uma ótica deformada, acreditamos, pelas inúmeras fontes portuguesas consultadas pelo autor.
Ao reler Cabral de Mello utilizando nossos próprios conhecimentos bem mais completos sobre a genealogia e a atuação política da família Cavalcanti de Albuquerque no século XVII, acreditamos poder passar a perceber a figura histórica de Jorge Cavalcanti por ângulos novos, ainda não percebidos por aquele historiador.
Ângulos que nos permitirão, até mesmo, ampliar a compreensão do termo “mazombo” (3).
Consultando a listagem dos Cavalcanti de Albuquerque no século XVII, Jorge Cavalcanti nos é indicado por genealogistas tradicionais como sendo um dos últimos filhos de Antonio Cavalcanti de Albuquerque (c.1564-1640).
Jorge seria, portanto, neto do patriarca Filippo Cavalcanti (Florença, 1525 – Olinda, 1614), fidalgo de antiga família florentina e republicana que chegara a Pernambuco no século anterior e se casara com uma jovem mameluca da família dos Albuquerque, donos da capitania. Neste caso, Jorge Cavalcanti de tronco primogênito do florentino, membro de família central da “nobreza da terra”, produtora e exportadora de açúcar em Pernambuco (4).
Tentando reconstruir sua parentela, constatamos também que na juventude fora contemporâneo de seu muito influente sobrinho Antonio, cognominado o “da Guerra” (c. de 1608-1645), filho de sua irmã bem mais velha, Isabel (5).
Em termos da ação política de sua família, acrescentamos que este seu sobrinho Antonio “da Guerra” se tornara, em meados do século XVII, figura preeminente na família e em nossa História - o líder da “nobreza da terra” que defendera a ideia de nova frente de guerra contra a ocupação holandesa, em socorro não só aos seus parentes Albuquerque Coelho, donos da capitania, mas também em apoio aos donos de engenho e colonos pernambucanos já muito sacrificados. Antonio fora um precursor “mazombo”, aquele primeiro nativista que morrera logo no início dos enfrentamentos da Restauração (1645) - os louros da vitória cabendo depois ao seu rival político, o representante da Coroa, João Fernandes Vieira (6).
Sabíamos, igualmente, que o quarto filho deste Antonio “da Guerra”, Lourenço Cavalcanti de Albuquerque, uma década do fim guerra holandesa dera sequência à liderança precocemente nativista de seu pai e da família Cavalcanti de Albuquerque. Em 1666, Lourenço chegou a participar decisivamente da deposição de um governador português, este sim atrabiliário - Jerônimo Furtado de Mendonça - em uma das primeiras ações especificamente nativistas no Brasil Colonial (7).
Lembramos que as dificuldades enfrentadas pela “nobreza da terra” no pós-guerra, em especial as econômicas derivadas da guerra contra os holandeses, não haviam sido absolutamente compreendidas pela Coroa, suspeitando-se à época que os holandeses se houvessem comportado melhor com a nobreza da colônia do que as próprias autoridades portuguesas e os mascates, em cujas mãos se encontrava, agora, uma nobreza sofrida e muito endividada.
Olinda nesta década estava ainda por reconstruir - o preço do açúcar em queda pela concorrência com o já produzido pelas Antilhas, grassando violenta epidemia de varíola entre os escravos. Além do mais, haviam sido criados tributos novos para o pagamento de indenizações aos holandeses, tributos que geravam ainda mais cobranças aos já inadimplentes, acompanhadas de apreensões das terras e mesmo de escravos dos senhores de engenho devedores (8).
Neste contexto de extremas dificuldades econômicas e prejuízos causados pelos esforços daquela guerra sustentada - tantas vidas cortadas, engenhos abandonados ao inimigo ou destruídos - a “nobreza da terra” se percebia, nas décadas seguintes, não só endividada aos mascates, mas já suspeita por atos de rebeldia pelas próprias autoridades coloniais portuguesas.
Exemplar do quadro descrito é o episódio histórico que registra, quase no final do século, o comportamento contestador de um outro membro da família Cavalcanti de Albuquerque – agora uma figura feminina, sobrinha de Jorge Cavalcanti - Isabel de Moura Cavalcanti.
Esta jovem senhora, filha de seu falecido irmão Felipe, em 1687 havia entrado em confronto com um comerciante português pela retomada do seu já histórico engenho, o “Bela Vista’, que fora deixado para trás ao inimigo holandês - ela e seu marido em consequência deste conflito rigorosamente punidos pelas autoridades portuguesas (9).
Adiante, no próprio texto, iremos detalhar este fato marcante, juntamente com outros, exemplares do período.
Reafirmando: a partir da leitura de “A Fronda dos Mazombos”, mas utilizando nossos próprios conhecimentos genealógicos e políticos sobre a atuação da família Cavalcanti de Albuquerque em Pernambuco neste século, conhecimentos registrados em nossos inúmeros artigos realizados com critério profissional (10), passamos a perceber as personalidades de Jorge Cavalcanti, e mesmo desta sua sobrinha Isabel de Moura Cavalcanti, agora sob um ângulo novo – ângulo não percebido por Cabral de Mello ou por nossa historiografia.
Perspectiva que privilegiando a atuação contestadora e nativista da família Cavalcanti de Albuquerque, no início liderada por Antonio “da Guerra” e depois por seu filho Lourenço –nos permite melhor compreender o comportamento aparentemente desesperado, mas reativo contra o dominador português por parte desta “nobreza da terra” pernambucana, já no fim do século XVII.
Esta perspectiva nova, acreditamos, pode vir a auxiliar a melhor compreensão do período que ainda vai se seguir, período já caracterizado mesmo pelos episódios dramáticos da “Guerra dos Mascates”.
A figura insubordinada de Jorge, analisada no contexto de seu quadro genealógico e sob a ótica da ação política contestadora dos parentes que o antecedem, será por nós percebida, agora, não mais como a de um nobre individualmente prepotente e atrabiliário – como Cabral de Mello nos havia apresentado e a “nobreza da terra” em geral naquela ocasião - mas um Jorge outro, personalidade longeva que atravessa o século e se demonstra como que um elo entre as gerações da família, ele certamente consciente das razões de sua insubordinação e das motivações maiores da sua ação - um consciente nativista, agindo algumas vezes de forma individual, quase desesperada e libertária contra as autoridades portuguesas.
À luz das ações também contestadoras anteriores de sua família tornam-se nítidos para nós os motivos pelas quais, neste fim do século XVII, Jorge Cavalcanti tomara também para si, por vezes até mesmo individualmente como sua sobrinha Isabel, os encargos políticos e contestadores maiores de sua família contra a Coroa.
Se Jorge Cavalcanti havia agido de início contestando autoridades portuguesas em concurso com a Câmara de Olinda, ele havia sido preso pela primeira vez, já idoso, por uma ação sua eminentemente individual no começo do governo do Marques de Montebelo, tentando negar às autoridades a entrega de um escravo seu incriminado (11).
Idoso e desafiador, mesmo tendo sido preso, Jorge continuou tramando nos bastidores, coordenando depois com seu decidido sobrinho-bisneto - Cosme Bezerra Monteiro, um neto do “da Guerra” – amplo levante popular que eclode em 1692, e que tem como pretexto o fato da capitania passar às mãos do marques de Caiscais (12).
Naquela ocasião, surgem no próprio interior da família Cavalcanti de Albuquerque as primeiras suspeitas de que Jorge não fosse mais um vassalo de “el Rei” (13).
Dois anos depois, Jorge Cavalcanti será mais uma vez preso pelas autoridades portuguesas, aparentemente por motivos pessoais - a pretexto de uma vindita contra um tabelião reinol, vindita tida como abusiva. Seu filho Antonio, igualmente, detido na ocasião (14).
Mas, pelo agravante de pertencer a uma família já marcada por um histórico de insubmissão frente às autoridades portuguesas, Jorge Cavalcanti só poderia mesmo terminar seus dias, como realmente terminou, na cadeia.
Notamos que mais adiante, seu outro filho do mesmo nome Jorge, na passagem do século, dará continuidade ao processo contestador da família, atuando agora de forma muito solidária e coordenada com inúmeros outros membros da família Cavalcanti de Albuquerque, ramos de Holanda Cavalcanti, decididos Bezerra Cavalcanti e indignados Falcão Eça, ainda outras importantes famílias pernambucanas, em ações francamente sediciosas da “Guerra contra os Mascates’ de 1710. E, a que tudo indica, a última prisão deste segundo Jorge, o II, poderá ter ocorrido em condições ainda mais ultrajantes que a prisão de seu pai - com os demais fidalgos e rebeldes mantido nas masmorras das Cinco Pontas, embarcados em gaiolas sob grilhões e ferros esperando seguirem para julgamento na Corte de Lisboa (15).
A partir da compreensão do um amplo contexto histórico e, sobretudo, levando em conta as propostas políticas nativistas que a família Cavalcanti de Albuquerque especialmente conduziu, propostas que vinham especialmente sendo gestadas a partir da ação de Antonio “da Guerra”, os confrontos políticos liderados por Jorge Cavalcanti I na segunda metade do século XVII nos aparecem, agora, como bem típicos de um comportamento propositadamente contestador e “mazombo”, comportamento embebido, sobretudo, pela qualidade muito específica, insubmissa e “sdegnosa”, sempre crítica aos governos prepotentes, típica dos Cavalcanti (16) – Jorge já seguro e plenamente consciente dos seus direitos à terra natal construída e ainda reconquistada aos invasores holandeses.
Desenvolvimento
Explicitadas as premissas iniciais deste artigo, pretendemos nesta parte do trabalho detalhar os vários episódios contestadores referidos nos quais a família Cavalcanti de Albuquerque atua como líder da “nobreza da terra” no fim do século XVII, visando confirmar o proposto.
Temos em vista não só compreender melhor a personalidade de nosso Jorge Cavalcanti, como aprofundar de forma ainda mais sistemática o comportamento de sua família, comportamento que temos como típico de uma “nobreza da terra” no período.
Para facilitar o leitor, o contexto social, político e econômico de época ainda mais ampliado e colocado por vezes em notas, para mais fácil acompanhamento da ação política das figuras históricas referidas no texto.
Relembramos que, nos capítulos iniciais do livro de Cabral de Mello “A Fronda dos Mazombos”, Jorge Cavalcanti nos fora apresentado como um prepotente, um insubordinado promotor de rebeldias contra as autoridades portuguesas – percebido por nosso historiador, de modo limitado e circunscrito à ótica portuguesa da época, como exemplar de uma “nobreza da terra” particularmente abusiva e atrabiliária no período (17).
Tentaremos enfocá-lo, agora, de modo novo e mais completo - as colocações de Cabral de Mello, não só as individualmente atribuídas a Jorge, mas também as relativas à “nobreza da terra” em Pernambuco no período, apresentadas de forma nova, mais contextualizada e ampliada.
Repetimos:
O segmento social da “nobreza da terra”, segmento mais expressivo na produção de açúcar em Pernambuco, sofria no fim de século, além da expoliação econômica típica do modelo colonial ultramarino português, o agravamento de sua situação pelas dívidas advindas da luta contra os holandeses, guerra que este segmento havia liderado e sustentado com grandes prejuízos em vidas e bens - engenhos destruídos ou deixados para trás - a despeito mesmo das muitas protelações e indecisões da coroa.
Ao fim da guerra, alem de dificuldade especificas acima comentadas - destruição de Olinda, baixa do preço do açúcar, epidemias sofridas pela escravatura – esta “nobreza da terra” se percebia em especial desmoralizada por uma mascatearia enriquecida de forma oportunista e que lhe cobrava juros extorsivos. Sobretudo espoliada pelas autoridades portuguesas que lhes cobravam novos impostos para indenizar os holandeses, impostos que acabavam por despoja-los de suas propriedades e posses.
Por fim, este segmento da “nobreza da terra” percebia-se, até mesmo, desprestigiado pelas próprias autoridades portuguesas, que dela já desconfiava em virtude de seus primeiros atos de rebeldia (18).
Para análise destes primeiros atos de insubordinação da “nobreza da terra” devemos voltar, ainda que de modo algo resumido, à atuação nativista de Antonio “da Guerra” nos meados do século em Pernambuco para podermos entender melhor este nosso Jorge Cavalcanti e a situação desta “nobreza da terra” já rebelde, extremamente contestadora alguns anos mais tarde.
Recordamos que fontes antigas, oitocentistas e mesmo modernas, reiteram que Antonio Cavalcanti de Albuquerque, “o da Guerra”, sobrinho e contemporâneo de Jorge Cavalcanti I, foi um dos primeiros a opor-se ao armistício vigente na Colônia em relação aos holandeses - o rompimento deste armistício sentido como uma necessidade imperiosa para os pernambucanos da capitania a partir de 1640 (19).
No entendimento da atuação política de Antonio Cavalcanti de Albuquerque, “o da Guerra” da Restauração, encontraremos a origem mesmo do sentimento consciente de nativismo, melhor dizendo, a origem do sentimento consciente de “brasilidade” - pois Antonio foi reconhecido tacitamente, por nossa historiografia clássica e moderna, como o idealizador e o líder “da terra” no movimento contra a ocupação holandesa na capitania, movimento que de início contou, para sua própria deflagração, com tropas organizadas e compostas pela “nobreza da terra”, apoiadas por outros donos de engenho e colonos luso-brasileiros que se viam em perigo constante, ainda auxiliados por decididas tropas de escravos negros com promessas de liberdade e experientes tropas indígenas lideradas pelo cristianizado Camarão (20). Lembramos que Antonio Cavalcanti, representando a “nobreza da terra” e João Fernandes Vieira, um reinol oportunisticamente enriquecido e escolhido como representante da Coroa, em junho de 1645 haviam chegado mesmo a ameaçar o governo de holandês com a mobilização de 20.000 homens brancos e 30.000 negros e mestiços, para uma guerra total (21).
Antonio Cavalcanti, o “da Guerra”, foi considerado o mais legítimo “mazombo”, o primeiro que se levantara na luta da Restauração contra os holandeses, mas que, falecendo de modo não bem explicado logo no começo dos conflitos em 1646, possibilitou que o reinol João Fernandes Vieira, o representante português, levasse por fim os louros e as vantagens da vitória (22).
Antes mesmo de começada a luta, no ano 1646, em verdade já ambos divergiam e disputavam a liderança no interior do movimento “Restaurador” - liderança do reinol ou a da “nobreza da terra”, divergências já com repercussões na própria condução da guerra. Mas, com a morte precoce e suspeita de Antonio, em setembro de 1646, no começo dos enfrentamentos, a vitória conseguida sobre os holandeses será mais tarde creditada, pela historiografia oficial, especialmente à Vieira e aos portugueses.
Assim sendo, na perspectiva da família Cavalcanti de Albuquerque a consolidação da liderança de Vieira, um reinol, prejudicara o avanço do processo nativista de independência - processo almejado não só por Antonio Cavalcanti, a que tudo indica também já por setores bem mais amplos, setores na Colônia que ultrapassavam o segmento da “nobreza da terra”, como afirmamos acima e ficara patente durante o processo de luta (23).
Mas acreditamos que as propostas políticas de Antonio “da Guerra”, nativistas e precocemente libertadoras, não estiveram de todo perdidas com sua morte prematura e a consequente fama adquirida por Vieira.
A nossos ver, os ideais nativistas de Antonio “da Guerra” continuaram socialmente latentes e, pouco depois do fim da guerra holandesa levados adiante pela liderança da própria família Cavalcanti de Albuquerque, em especial por seu quarto filho Lourenço Cavalcanti de Albuquerque e pela prima Isabel de Moura Cavalcanti - bandeira retomada no fim do século por este seu tio Jorge Cavalcanti e gerações seguintes de Cavalcanti de Albuquerque e Bezerra Cavalcanti.
Acrescentamos detalhadamente:
Com o fim da guerra holandesa e o agravamento da situação econômica da “nobreza da terra”, no ano de 1666 em Pernambuco, Lourenço Cavalcanti, o quarto filho de Antonio da Guerra dará continuidade a atividade política nativista de seu pai participando de conspiração para a própria destituição do governador português à época, este sim, tido pelos pernambucanos como extremamente atrabiliário - Jerônimo Mendonça Furtado. Lourenço Cavalcanti de Albuquerque agiu com a colaboração decidida, entre outros, de André de Barros Rego e membros da Câmara de Olinda.
A chamada “Conjuração do Nosso Pai”, em agosto daquele ano, destituiu violentamente este governador tido como autoridade sem caráter, que “executava dívidas, sequestrava bens, em especial dos engenhos e partidos de cana, prendia e soltava, tudo em troca de dinheiro...”. Mendonça Furtado foi detido à mão armada por Lourenço Cavalcanti e André de Barros Rego ao sair de uma Igreja e enviado para uma enxovia da fortaleza do Brum no Recife.
Mas em hábil manobra da Coroa o governador foi logo substituído pelo prestigiado herói militar André Vidal de Negreiros, natural da Paraíba, que já havia articulado brilhantemente os interesses portugueses com os das forças “da terra” na luta contra os holandeses e, depois da guerra, exercido o cargo de governador por um período - personalidade capaz de apaziguar temporariamente os ânimos em Pernambuco.
A “Conjuração do Nosso Pai”, entretanto, ainda hoje é considerada pela nossa historiografia como um dos primeiros movimentos nativistas do Brasil Colonial (24).
Confirmando, mais uma vez, o importante papel contestador dos Cavalcanti de Albuquerque em Pernambuco, em contexto cada vez mais agravado pelo endividamento da nobreza frente aos mascates, chamamos ainda a atenção do leitor para o episódio que tem a participação quase desesperada da nossa já referida Isabel de Moura ou Isabel Cavalcanti nesta geração, fim do século XVII (1687), quase vinte anos depois da ocorrência da “Conjuração do nosso Pai" em que Lourenço Cavalcanti, filho do “da Guerra”, se envolvera contra o governador português.
Episódio muito interessante e sugestivo de rebeldia que comprova a continuidade da trajetória contestadora da família Cavalcanti de Albuquerque, agora por uma decidida figura feminina agindo de forma dramática, individual e anárquica.
Isabel era já bisneta do florentino e admitimos sobrinha do nosso Jorge Cavalcanti I - filha do seu irmão bem mais velho Felipe Cavalcanti de Albuquerque (c.1596-1657), lutador na guerra holandesa que migrara para a Bahia, mas retornara à Pernambuco ao fim da guerra e já havia falecido (25).
Por volta de 1687 a jovem Isabel havia perdido a posse do histórico engenho que fora de sua respeitável avó materna, D. Isabel de Moura - o “Boa Vista”. Este engenho tinha já um passado histórico e simbólico, pois havia sido abandonado aos holandeses na retirada da família para a Bahia e, por dívidas, Isabel mais tarde não o pode retomar, o “Boa Vista” leiloado ao comerciante reinol Roque Gomes Paes (26).
Lembramos que cinquenta anos antes, em julho de 1635, as forças coloniais resistentes haviam tido severas perdas com o avanço de forças holandesas invasoras e obrigadas a evacuar o vilarejo Vila Nova do Serinhaém, ultimo refúgio da população civil. Nesta ocasião D. Isabel de Moura, senhora de engenho respeitada e já viúva do herói Antonio Ribeiro de Lacerda, havia se juntado à população civil que fugia de Serinhaém, tendo que deixar para trás este seu engenho “BoaVista”. D. Isabel era filha de D. Felippe de Moura, sobrinho do patriarca Jerônimo de Albuquerque e também da notável D. Brides, a proprietária e fundadora da capitania. Entretanto, juntamente com a população e os que puderam, D. Isabel empreendeu esta dura retirada épica, perseguidos e lutando com os holandeses em direção à Bahia (27).
Agora, com o fim da guerra e o retorno dos herdeiros, o engenho “Boa Vista” fora leiloado. Por ocasião do despejo da família realizado à força armada, haviam sido entoadas cantigas à viola debochando da uma indignada neta Isabel Cavalcanti, o marido criticado pelo comerciante arrematador, de forma agressiva, como um “fidalgo de borra”. No processo que se segue é comentado que Isabel, extremamente ofendida pelo comerciante, teria se negado depois a compartilhar o leito conjugal (28).
Acreditamos que a jovem senhora deve ter se sentido humilhada frente a estas palavras públicas tão rudes, sentindo-se certamente desprestigiada pelas autoridades portuguesas em sua luta pela posse do engenho, ela portadora ainda de fortes sentimentos ligados à honra e dignidade, característica da mentalidade feudal e certamente de sua família.
Em consequência, seu marido, Leão Falcão de Mello, membro igualmente de uma família de heróis da guerra holandesa, será pouco depois culpado pelas autoridades portuguesas pela morte de Roque Gomes Paes, numa emboscada. Detido, Falcão de Mello acaba morrendo na prisão, tendo Isabel que fugir para o interior.
O irmão do marido, Pedro Marinho Falcão, pelo mesmo motivo será preso, enviado para julgamento não sabemos se na Bahia ou em Lisboa (29).
O abandono do engenho histórico “Boa Vista” ao inimigo holandês e o posterior leilão a um reinol, a que tudo indica, terá sérias consequências - não só na vida da sofrida Isabel, mas consequências também importantes na vida de gerações seguintes de Cavalcanti de Albuquerque e Falcão Marinho, como observaremos, ainda décadas depois indignados por estes acontecimentos (30).
No fim dos anos seiscentos, num contexto cada vez mais agravado por divergências da nobreza com autoridades portuguesas e mascates, a ação do cada vez mais indignada de Jorge Cavalcanti dará prosseguimento às contestações familiares, agindo agora de forma ainda mais exacerbada contra as autoridades portuguesas e, como a de sua sobrinha Isabel, apresentando características pessoais quase libertárias, talvez mesmo anárquicas, no mínimo “sdegnosas” - marca já tradicional da ação política de sua família em Florença (31), família que em Pernambuco demonstrava ainda sua pertinácia política.
Seguindo o exemplo familiar do determinado sobrinho Antonio “da Guerra”, do sobrinho-neto Lourenço e a desesperada Isabel Cavalcanti, Jorge Cavalcanti vai se demonstrar também portador das tendências insubmissas características dos Cavalcanti – tornando –se, a nosso ver, um “mazombo” ainda mais seguro e consciente frente ás autoridade portuguesas dos seus direitos à terra defendida, por sua família e pelos pernambucanos, aos holandeses.
Inicialmente, a ação política rebelde de Jorge, sabemos, havia se limitado ao apoio a interesses da “nobreza da terra” como juiz ordinário da Câmara de Goiana, agindo com a Câmara de Olinda contra a malvista presença da figura do desembargador corregedor, figura usual desde os anos 70 e cuja presença, alegavam, prejudicava a paz da capitania e o bolso dos moradores (32).
Entretanto, um fato ainda marcante pode ter se tornado decisivo na sua forma muitas vezes individual de atuar, pois as punições de sua sobrinha Isabel e seu marido em 1687 quase se haviam renovado na família com a prisão do seu jovem sobrinho neto Lourenço Cavalcanti Uchoa, filho de Lourenço, em 1691.
Em 1691 este jovem neto do “da Guerra”, Lourenço Cavalcanti Uchoa, por questionar na Câmara com o companheiro João Barros Rego contra novas taxações de vinho e carne foram ambos presos pelo governador português Marques de Montebelo e enviados para enxovias de fortalezas distintas.
Uchoa e João Barros Rego foram comprometidos, sobretudo, pelas ações contestadoras anteriores de seus pais que, lembramos, haviam enviado o governador Furtado de Mendonça para a enxovia da fortaleza do Brum – ambos, ainda de forma mais severa, ameaçados por Montebelo de serem mandados para julgamento em Portugal, sendo apenas liberados por intervenção do bispo e outras figuras de nomeada (33).
Notamos que a partir desta ocasião, a ação contestatória de Jorge parece se tornar, ainda mais intensa e decidida.
É possível que a ação contestadora sistemática de Jorge Cavalcanti de Albuquerque, especialmente ao final da vida, tenha sido desencadeada por estas violentas ações das autoridades portuguesas contra estes seus dois sobrinhos, Isabel e o jovem Lourenço Uchoa - pois na década de 90 Jorge estará atuando de modo determinado e extremado, já bem idoso entre 1690 e 92, contra o governo de Montebelo.
O historiador Evaldo Cabral de Mello chega a afirmar, sem compreender muito bem as razões de tanta rebeldia ou mesmo conseguir explicar a dinâmica desses fatos:
“Já nesses anos de governo de Montebelo, a rivalidade entre os nobres e em especial os Cavalcanti, de um lado, e os mascates do outro, nada fica a dever na intensidade dos rancores à que dividia Pernambuco” (34).
Neste governo de Montebelo, Jorge Cavalcanti desafiador foi pela primeira vez preso por tentar arrancar, com seu genro e um séquito de trinta homens, um seu escravo incriminado das mãos das autoridades portuguesas, em Goiana. Solto apenas por interferência de parentes e amigos (35).
E, mesmo já tendo sido preso, continuou Jorge Cavalcanti ainda atuando nos bastidores como o coordenador de um amplo levante popular que por fim eclode em agosto de 1692, em Goiana.
No episódio simbólico deste levante contra o governador Montebelo, a ação de Jorge se fez na companhia do um sobrinho-bisneto rebelado, Cosme Bezerra Monteiro – um dos netos do “da Guerra”, cuja mãe havia se casado na também aguerrida família dos Bezerra Monteiro. Atuavam eles agora com o apoio da Câmara e de carmelitas de Goiana, ainda outros populares. No relato de época, transcrito de Cabral de Mello, eram “... mais de mil pessoas com armas, dispostas a pelejar formados. E tem o povo a um juiz e dois vereadores presos e a Jerônimo Cavalcanti com sentinelas a vista” (36).
Os rebelados por quase uma semana tentaram impedir a entrega da capitania de Itamaracá ao representante do marques de Caiscais e protestaram armados durante o levante, alegando em alto e bom som que Itamaracá só reconhecia “por senhor a El Rei, já que se havia restaurado do jugo holandês sem auxilio dos donatários” (37).
Este levante popular que Jorge Cavalcanti articulou e liderou constitui episódio importante em nossa historiografia, pois antecede mesmo a “fronda” da nobreza da terra de 1710.
Seu outro sobrinho, Jerônimo Cavalcanti de Albuquerque Lacerda, outro filho de seu irmão Felipe e então capitão mor de Itamaracá – que fora, como já observamos, a mando de seu tio Jorge detido na ocasião – chegará a expressar depois por carta a D. Pedro II suas duvidas de que Jorge fosse ainda um vassalo de El Rei (38).
Apenas dois anos depois deste levante que mobilizara a população e mesmo com as promessas paliativas da coroa de proteger e prestigiar a “nobreza”– o provocativo e aparentemente destemperado Jorge será, novamente, preso.
Nesta ocasião, 1594, fontes portuguesas queixosas diziam contra Jorge que ele acintosamente impedia a execução de ordens regias, intimidava oficiais de justiça para não cumprirem diligências contra os “da terra”, tabeliões para que delitos não fossem punidos – “pretendia” mesmo ser o senhor da capitania. Enfurecido referia-se ao rei como um tirano, e como que vivos ainda os holandeses.
A que tudo indica, nesta ocasião, até mesmo alguns membros da sua própria família - temerosos das represálias reais que já haviam se abatido sobre eles - nesta difícil situação defendiam o exílio de Jorge (39).
Mas o pretexto das autoridades portuguesas para prendê-lo, finalmente, em 1694 foi uma vindita de Jorge contra um tabelião, tido por fontes portuguesas como figura respeitável. Com certeza seria tabelião que agia em contradição com seus interesses ou da “nobreza da terra”, um desafeto seu, pois a surra foi aplicada por seus escravos e por seu próprio filho Antonio, correção curiosamente ocorrida na frente de um convento, a luz do dia e em rua de movimento (40).
Bem idoso - com quase oitenta anos em 1695 - enquanto esperava o ouvidor da Bahia designado pelo rei português para julgar seu caso com o rigor da lei, Jorge acabou mesmo morrendo na cadeia. Com sua morte, ao ouvidor de Pernambuco coube então prender e julgar, apenas, o seu filho Antonio (41).
Retomando o fio da meada:
Nos meados do século, com o fim da luta contra os holandeses e a morte precoce e suspeita de Antonio Cavalcanti, “o da Guerra”, os ideais políticos nativistas e libertários dos Cavalcanti de Albuquerque e dos pernambucanos haviam sido levados adiante sucessivamente, neste final do século XVII, por seu filho Lourenço Cavalcanti, pela desesperada sobrinha Isabel, pelo jovem neto Cavalcanti Uchoa, por seu idoso e indignado tio Jorge Cavalcanti, ainda em especial pelo ramo Bezerra Cavalcanti descendente de sua filha Leonarda.
Assim sendo, acabam os descendentes de Antonio Cavalcanti de Albuquerque, “o da Guerra”, por liderar já em novembro de 1710 um geral, muito amplo e indignado levante da “nobreza da terra”, uma “fronda”, atuando com populares contra as autoridades portuguesas e mascates em Pernambuco, primeiro episódio da chamada “Guerra contra os Mascates”.
Este episódio rebelde de longa duração convulsionará por quatro anos a capitania, mobilizando outras famílias da “nobreza da terra”, colonos pernambucanos, alem de segmentos indígenas - episódio com nítidas tendências nativistas e mesmo libertárias e, a que tudo indica, com os primeiros laivos, até mesmo, do republicanismo característico da família (42).
Desta “Guerra contra os Mascates” participará igualmente um dos filhos de Jorge Cavalcanti, de mesmo nome Jorge, sargento-mor das milícias de Goiana, além de seus numerosos sobrinhos-bisnetos, do ramo Monteiro Bezerra Cavalcanti.
Jorge II, nesta ocasião, será incentivado para a rebeldia por seu próprio sogro, Francisco de Barros Falcão, daquela família também atuante na guerra holandesa e ligada por casamento aos Cavalcanti de Albuquerque desde o drama da jovem Isabel, todos juntos mobilizados contra os mascates e, agora, contra o governador português Castro Caldas.
Jorge II foi detido já na gestão governador português Felix Machado e, a que tudo indica, teria sido uma segunda vez preso, enviado para as masmorras da fortaleza das Cinco Pontas - neste caso teria ele sido ameaçado, com outros rebeldes, de ser embarcado para a prisão do Limoeiro, em Lisboa - obrigado a subir a bordo em gaiolas, sob ferros, quando a tempo muitos desses presos acabaram por receber o perdão da Coroa (1714).
Nestas circunstâncias Jorge Cavalcanti II, teria se negado a receber este tardio perdão real, pois eram mantidas as punições aos seus parentes do clã Bezerra Cavalcanti – que de forma muito humilhante foram, por fim, embarcados para julgamento e martírio em Portugal. (43).
Assunto relacionado aos tipos de punições humilhantes da época, não podemos deixar de comentar episódio curioso que envolve ainda nosso Jorge Cavalcanti de Albuquerque I, episódio, a que tudo indica, típico de mentalidade ainda medieval.
Evaldo Cabral de Mello refere-se a um tipo de punição, interpretado por fonte portuguesa como indicativo do “sadismo” de Jorge: o corte da barbicha de um homem modesto - talvez um esmolante, que o tenha desconsiderado (44). Observamos que nesta mesma obra, Cabral de Mello refere-se também “ao corte da barba e das cãs” de um desafeto idoso dos Cavalcanti durante o episódio mais violento da guerra contra os mascates, o saque de Goiana (45).
Seriam estes castigos contra desafetos políticos idosos característicos de época, e da atuação dos Cavalcanti - vindos de seu longo passado de governança florentina e feudal, ainda não conhecidos das práticas portugueses? Não sabemos responder, mas acrescentamos que tanto os Albuquerque como os Cavalcanti, de muito longa trajetória de governança, traziam malícias e práticas muito antigas no trato político com seus inimigos políticos, algumas delas comentadas pelo próprio Evaldo nesta mesma obra, como o uso do cacete pelos portugueses e as manipulações políticas por alianças matrimoniais, por nós comentadas no nosso livreto “Família Cavalcanti de Albuquerque” (46).
Em Florença, Cosme I de Médici aplicara aos nobres idosos rebelados em Montemurlo (1535) castigos de época igualmente humilhantes – nobres idosos obrigados a desfilar descompostos, montados em animais trôpegos, ao entrar em Florença. A escritora Maria Cristina C. de A. em seu romance “O Magnificat”, sem citar suas fontes, relata o severo castigo infringido desta vez pelos mascates ao líder “mazombo” João Rego Barros, idoso e nobre obrigado a teria ter de desfilar em ferros, em condições para ele extremamente aviltantes, ao entrar em Recife. (47).
Conclusão
Do acima afirmado, pensamos necessário reavaliar a personalidade de Jorge Cavalcanti dentro do contexto histórico peculiar, contexto que leve em conta não só as características econômicas de um período de exacerbada espoliação colonial, mas também as condições sociais e ideológicas, com mentalidade típica de época, período de transição, ainda marcado por fortes valores medievais. Contexto, sobretudo, em que sua família da “nobreza da terra” já atuava em sentido precursoramente nativista como liderança, fato constatado pelo menos desde a ação de Antonio “da Guerra” (48).
A nosso ver, Jorge Cavalcanti dava sequencia ao movimento de contestação consciente e sistemático iniciado por seu sobrinho Antonio, atuando seja de forma individual ou limitado ao núcleo familiar, seja de caráter articulado e mais amplo, coordenando outras famílias da “nobreza da terra”, ainda outros segmentos sociais – ação contestadora que se mantém especialmente no interior da família Cavalcanti de Albuquerque em Pernambuco, de forma continuada, sem quebra geracional durante largo período.
Esta liderança contestadora e libertária dos Cavalcanti de Albuquerque, liderança herdada por fortes ligações de parentesco com os Albuquerque Coelho proprietários da capitania, se manifestava desde a ação de Antonio “da Guerra” na Guerra da Restauração. Liderança contestadora que os Lourenço, filho e neto, o tio Jorge, a jovem Isabel de Moura, ainda Jorge II e os Bezerra Cavalcanti deram continuidade até o fim do século XVII, começo do XVIII, liderança que se demonstrou, de forma especialmente nítida no levante nativista amplo da “Guerra contra os Mascates”, quando esta família parece manifestar suas simpatias, até mesmo, por ideais precoces de republicanismo (49).
No episódio marcante da “Guerra conta os Mascates” de 1710, verdadeiro levante da “nobreza da terra” contra a coroa, uma “fronda”, em especial a descendência do florentino, por seu filho primogênito Antonio, os netos Felipe e Jorge Cavalcanti - linha propriamente Cavalcanti de Albuquerque – igualmente pela neta Isabel Cavalcanti, mãe do “da Guerra”, matriarca do clã Bezerra Cavalcanti - deixará marcas históricas indeléveis, precursoras de brasilidade (50).
Notas
(1) Cabral de Mello, Evaldo – A Fronda dos Mazombos Cia. das Letras, 1995, capítulo 2, “Atribulações do marquês de Montebelo”.
(2) A utilização do conceito de “nobreza da terra” para o segmento social em causa, no nordeste no Brasil no século XVII, é por nós explicitado e já discutido na introdução do nosso trabalho “Antonio Cavalcanti de Albuquerque, o da Guerra”, Prefácio, não publicado, mas aberto a consultas. A nosso ver, este conceito é especialmente operativo para o fim do século XVII, e é também utilizado por nós no artigo “O ramo Bezerra Cavalcanti na Guerra contra os Mascates”, igualmente já aberto a consultas.
Absolutamente não concordamos com as conclusões defendidas pelo historiador Evaldo Cabral de Mello em seu livro A Ferida de Narciso (Ed. SENAC 2001, pg.44) - obra em que este autor parece se demonstrar limitado, como de resto o escritor Viana Moog, à predominância ainda de sentimentos de ressentimento no conceito de “mazombo”, conceito utilizado por nossa historiografia para a segunda metade do século XVII (ver sobre a critica à Viana Moog nosso trabalho “Mazombo”).
Se o reconhecimento e condicionamentos de titularidade da “nobreza da terra” viriam tardiamente, em 1730 - assim mesmo para dirimir os conflitos ocorridos no passado recente – o segmento social da “nobreza da terra”, para Cabral de Mello, durante o segundo quartel dos anos seiscentos e consequentemente na Guerra dos Mascates, seria vítima de uma “ferida narcísica” agindo como um louco, um “Napoleão de hospício” (ver especialmente seus comentários na pg. 83 do livro acima citado). Também em A Fronda dos Mazombos, citada, pag. 142 quando afirma: “No plano ideológico, a nobreza reagirá ao desafio mascatal com um ressentimento que beirou por vezes a paranoia de classe”.
No nosso ponto de vista, Cabral de Mello teria ainda dificuldade em perceber mais nitidamente, ao utilizar e interpretar ainda tantas fontes portuguesas, que há muito já se gestava e conscientemente se preparava em Pernambuco os ideais de independência - ideais que só serão claramente expostos a partir de 1710, mas que já se haviam gestado bem antes e se manifestado conscientemente no segundo momento da luta contra os holandeses, como constatamos em nosso trabalho Antonio Cavalcanti, “o da Guerra”, aberto pesquisas. A respeito da geração de um nativismo ainda mais precoce, consultar o livro recente de Cavalcanti de Albuquerque, Maria Cristina – Matias, Bagaço, Recife, 2012.
Assunto retomado adiante no “Desenvolvimento” deste trabalho.
(3) “Mazombo” – palavra de origem africana significando tristonho, taciturno, sorumbático, carrancudo, macambúzio, mal humorado. Adjetivo utilizado pelos portugueses para qualificar o filho de português nascido na Colônia – o que se sentia insatisfeito com a vida que levava, mas não merecia.
"Complexo de mazombo" - expressão introduzida pela crítica literária para melhor entendimento, na Bahia, da obra poética de Gregório de Mattos (1636-1695) - expressão que descreve a forma eminentemente crítica deste autor ver o mundo colonial.
Sobre a discussão do conceito de mazombo Torres, Rosa Sampaio, artigo “Mazombo”, no blog http://rosasampaiotorres.blogspot.com.br.
Mais explicações no decorrer do texto.
(4) Temos com fonte principal para esta genealogia Bittencourt, Adalzira - Genealogia dos Albuquerques e Cavalcantis, Rio de Janeiro, Livros de Portugal S/A, 1965, pág. 292, 293. A autora transcreve lista corrigida do genealogista Carlos Xavier de Brito e afirma: “entre os filhos de Antonio também é citado Jorge [Cavalcanti] de Albuquerque”. Antonio, o segundo filho do florentino Filippo Cavalcanti é indicado pela autora como casado com Isabel de Góis, a filha de Arnao de Holanda e Brites Vasconcellos. A autora não diz por quem Jorge é citado como filho de Antonio. Infere-se, porém, seja o genealogista Carlos Xavier de Brito, cuja lista a autora transcreve. Segundo ela, Carlos Xavier de Brito relacionou os filhos de Antonio baseado em listagens de Jaboatão e Borges da Fonseca.
Nesta mesma listagem, o primeiro filho do florentino seria em verdade João, referido apenas como falecido em criança.
A data de nascimento do filho do florentino, Antonio, é calculada por nós no artigo “Antonio Cavalcanti de Albuquerque – o “da Guerra” Holandesa”, nota 12, ainda não editado, mas aberto para pesquisa.
(5) A data aproximada do nascimento de Jorge Cavalcanti é calculada por nós a partir da lista da família Cavalcanti de Albuquerque referida por Bittencourt, Adalzira – opus cit., pág. 292, 293, informações cruzadas com as de Barata - Carlos Almeida & Bueno, Antonio Henrique Cunha - Dicionário das Famílias Brasileiras, Ibero-América, 1999, verbete Cavalcanti, que fornece a data de nascimento de Felipe Cavalcanti de Albuquerque, o quarto irmão de Jorge em c.1596 - falecido em 1657, em Ipojuca.
Jorge, citado por Bittencourt, poderia estar está situado entre os últimos dos 13 filhos de Antonio, o filho do florentino - e neste caso (1596 + 9 aproximadamente) seu nascimento pode ter ocorrido depois ou próximo de 1605.
A morte Jorge de Albuquerque teria ocorrido em 1695 (Cabral de Mello, Evaldo – A Fronda dos Mazombos, citada, pg. 87, nota 94, data inferida das cartas enviadas a D. Pedro II em 1695, todas em AHU, PA, Pco, cx 11). Se nossos cálculos estão corretos Jorge teria morrido com mais de oitenta anos, o que nos parece bem provável, pois sua morte é dada como ele já idoso.
A irmã de Jorge, Isabel, mãe de Antonio “da Guerra” é referida como nascida em 1583 ou 1590, e seu filho Antonio “da Guerra” nascido possivelmente cerca de 1608 (fonte um fichier de Guy Spillbeen - 51, mídia eletrônica, sem entretanto referir fontes), falecido ainda jovem no ano conhecido de 1645 (Gonçalves de Mello, JFV. Pg. 178 nota 33, fonte frei Calado e Jornal de Arnhem).
Neste caso, o tio Jorge (n. c. 1605) seria mesmo contemporâneo de seu sobrinho Antonio “da Guerra” (n. c. 1608).
(6) Sobre Antonio Cavalcanti, o “da Guerra” da Restauração, que lutou contra a ocupação holandesa ver abaixo no texto, parte “Desenvolvimento”.
Sobre ele consultar especialmente a obra de Cabral de Mello, Evaldo - Rubro Veio, Topbooks, 1997, capítulo “O panteão restaurador”. Também Torres, Rosa Sampaio - artigo “Antonio Cavalcanti de Albuquerque”, já aberto a consultas. Ainda da mesma autora e no mesmo blog o recentemente publicado “A família Cavalcanti e os ideais republicanos no período Colonial”.
Mais sobre a psicologia e possível origem remota dos ideais nativistas dos “sdegnosos” Cavalcanti de Albuquerque na nota 16 e, sobre Antonio “da Guerra”, mais bibliografia na nota 19.
(7) O episódio historicamente denominado “Conspiração do nosso Pai” é analisado por Cabral de Mello, Evaldo - A Fronda dos Mazombos, opus cit., capítulo “O agosto de Xumbergas”, citando várias fontes.
Ver mais no texto a seguir, parte “Desenvolvimento”, especialmente nota 24, com novas informações e outras fontes.
(8) Lembramos, a Câmara de Recife em 1673 externava que há dezenove anos os holandeses haviam sido expulsos sem que os moradores experimentassem o alívio que esperavam dos tributos cobrados pela Coroa.
Evaldo Cabral de Mello em A Fronda dos Mazombos, citada, pg. 38/39, relata a dramática situação fiscal dos pernambucanos e lembra a cobrança de novos impostos: “A esta conjuntura bastante sombria [pela morte dos escravos que provocavam prejuízos consideráveis na Colonia] ajuntavam-se as seqüelas fiscais do chamado “donativo da rainha da Grã-Bretanha e paz de Holanda”... O novo imposto devia arrecadar 6 milhões de cruzados, tocando Pernambuco contribuir com 140 mil cruzados anuais pelo espaço de dezeseis anos, dos quais 23 mil corresponderiam á cota de Pernambuco e capitanias vizinhas”. Fonte Gonçalves de Mello, J. A. – “As Consequências fiscais do chamado donativo para o casamento da rainha da Grã-Bretanha e da Paz da Holanda (1664-1666)”, RIAP, 54 (1981), pg.9-11.
As pressões exercidas para cobrança deste novo imposto pelos governadores portugueses foram então dramáticas, com a tomada de escravos e terras dos inadimplentes de impostos. Consultar Evaldo Cabral de Mello, A Fronda dos Mazombos, citada, pg. 39.
(9) O episódio em que Isabel de Moura Cavalcanti questiona o antigo e histórico engenho de sua avó, D. Isabel de Moura, é levantado e relatado por Cabral de Mello, Evaldo – A Fronda dos Mazombos, citada, pgs. 90/ 91, tendo como fonte do próprio processo da morte do comerciante Roque Gomes Paes. O engenho “Boa Vista” havia sido deixado para trás aos holandeses pela avó, a respeitada D. Isabel de Moura. Este conflito teve um desfecho inesperado e trágico, pois seu marido, Leão Falcão de Mello, será comprometido. Ver mais detalhes no texto, parte “Desenvolvimento”.
Informações sobre as inúmeras ligações de casamento do ramo principal dos Cavalcanti de Albuquerque com a família Falcão e Falcão Eça, igualmente lutadora na guerra holandesa, Bittencourt, Adalzira, opus cit., pg. 293. Informações completas sobre a família Falcão Eça e Falcão Marinho em Torres, Rosa Sampaio - artigo “O ramo Bezerra Cavalcanti na Guerra contra os Mascates”, nota biográfica de Leão Falcão d´Eça, aberto a consultas.
(10) Inúmeros trabalhos da autora sobre a atuação política da muito antiga família Cavalcanti na península italiana, e da família Cavalcanti de Albuquerque, no Brasil, estão publicados no blog http://rosasampaiotorres.blogspot.com.br. Outros ainda inéditos, já disponíveis para pesquisa, citados já nas várias notas deste mesmo trabalho.
(11) Cabral de Mello, Evaldo – A Fronda dos Mazombos, citada, pg. 74, com todas as fontes indicadas e citadas nota 32.
(12) Comentários sobre o contexto do “Levante de Itamaracá”, adiante no texto e na nota 37.
(13) Cabral de Mello, Evaldo – A Fronda dos Mazombos, citada, pg. 87, referindo-se a uma carta de Jerônimo C. de A. Lacerda, já bisneto do florentino, ao rei português. Ver mais na nota 33 com fontes.
(14) Cabral de Mello, Evaldo – A Fronda dos Mazombos, citada, p.87, com todas as fontes indicadas.
(15) Cabral de Mello, Evaldo - A Fronda dos Mazombos, citada, pg. 87, 310.
Cavalcanti de Albuquerque, Maria Cristina - O Magnificat, Memórias Diacrônicas de Dona Isabel Cavalcanti, Tempo Brasileiro, RJ, Fundação Roberto Freire, 1990, pg. 128,129, obra em que a autora se refere a Jorge Cavalcanti de Albuquerque II como não querendo aceitar o perdão real em 1714. A autora utiliza fontes documentais básicas, ainda não identificadas por se tratar de um romance.
Consultar ainda as notas biográficas citadas em Torres, Rosa Sampaio - artigo “O ramo Bezerra Cavalcanti na Guerra contra os Mascates”, aberto a consultas.
(16) O adjetivo “sdegnoso” por nós traduzido como altivo, sombranceiro, indignado, desdenhoso, não respeitoso, é usado pela história literária para descrever a conduta política da família Cavalcanti na península italiana. O cronista Dino Campagni (c.1255-1324) usara o adjetivo “sdegnoso” para descrever o poeta Guido Cavalcanti, seu contemporâneo, no séc. XIII.
O escritor Giovanni Boccacio no seu Decameron, 6º dia, nona novela, “A cena do cemitério”, trabalho escrito no século seguinte, repete o mesmo adjetivo “sdegnoso” ao descrever o poeta Guido Cavalcanti em sentido positivo, conto que não pode deixar de ser lido para melhor compreensão da personalidade e da obra do poeta Guido (descrição também repetida por Haroldo de Campos, Pedra e Luz na Poesia de Dante, Imago, 1998, pg. 14).
A partir, portanto, da tragédia ocorrida com o poeta Guido Cavalcanti, amigo de Dante, que no século XIII enfrentara o clã aristocrático e prepotente dos Donati, os Cavalcanti foram descritos por fontes literárias como “sdegnosos”, além do mais notórios nos seus enfrentamentos posteriores ainda contra a família dos Médici, no século XVI, pela manutenção dos ordenamentos da Republica florentina.
Cesare Trevisane, em seu romance La conjura di Pandolfo Pucci, Florenze, Tip. de Monnie, 1852, utiliza muitas vezes a expressão “sdegnoso” para os Cavalcanti como família.
A respeito da utilização do termo “sdegnoso”, consultar os vários trabalhos da autora com fontes citadas, especialmente a “Conspiração Pucci & Cavalcanti” e “Médici X Cavalcanti” no blog http://rosasampaiotorres.blogspot.com/, ainda “Mazombos’ e “Os Sdegnosos Cavalcanti”, no blog http://rosasampaiotorres.blogspot.com.br
Sobre preâmbulos da formação do ideário de independência consultar também o recente livro de Cavalcanti de Albuquerque, Maria Cristina – Matias, Recife, Bagaço, 2012, livro em que esta autora reconhece o importante papel, ainda não consciente, também de Matias de Albuquerque para a formação da brasilidade durante o primeiro momento de resistência contra a invasão holandesa.
(17) Assunto já abordado na nota acima 3, onde rebatemos as propostas explicitadas por Evaldo Cabral de Mello sobre ao segmento social da “nobreza da terra” em A Ferida de Narciso, Ed. SENAC, 2001.
(18) Ver nota 8. Ainda conclusões apresentadas em Torres, Rosa Sampaio – artigo “Antonio Cavalcanti de Albuquerque, o da Guerra”, ainda inédito, mas já aberto a pesquisas, com muito mais informações históricas sobre as controvérsias políticas entre Antonio Cavalcanti e o reinol João Fernandes Vieira, bem como citados outros fatos históricos correlatos.
As dificuldades da “nobreza da terra” apresentadas modernamente nas obras de Antonio Gonçalves de Mello e do próprio Evaldo Cabral de Melo. Ver bibliografia já citada na nota 8 e a relativa a estes dois autores citados abaixo nota 19.
(19) Conclusões de Torres, Rosa Sampaio para o artigo “Antonio Cavalcanti de Albuquerque, o da Guerra”,já aberto a consultas e que se baseia nas informações genealógicas de Adalzira Bittencourt, opus cit. (onde a autora utiliza Jaboatão, Borges da Fonseca , corrigidos por Carlos Xavier de Brito) e também o genealogista Carlos Eduardo Barata – Dicionário das Famílias Brasileiras – verbete Cavalcanti. Informações cotejadas especialmente com Fernandes Gama, José Bernardo – Memórias Históricas da Província de Pernambuco, Recife, 1844-1887 (utilizada a edição do Arquivo Publico Estadual, Recife, 1977), obra dos oitocentos. Neste artigo o surgimento do sentimento nativista é examinado a fundo, suas razões e personagens em causa exaustivamente analisados. Utilizadas também, entre as obras recentes, especialmente:
Gonçalves de Mello, José Antonio - Tempo dos Flamengos, 4ª ed. Topbooks, 2001, pg. 172,173.
Evaldo Cabral de Mello - Rubro Veio, Topbooks, 1997, capitulo “O panteão
restaurador” pgs. 80, 91,162, 200, 213, 412, 441.
- O Brasil Holandês – Penguin e Cia. das Letras, 2010.
- Olinda Restaurada, Topbooks, 2 ed., 1998, pg. 218,
219.
- Fronda dos Mazombos, citada, pg. 210-213.
- A Ferida de Narciso, Ed. SENAC, S.P. 2001.
(20) O contexto da Restauração contra os holandeses é enfocado em Torres, Rosa Sampaio - artigo “Antonio Cavalcanti de Albuquerque, o da Guerra”, com fontes em parte citadas nota 19, acima. Ver bibliografia também na nota 19.
(21) Comunicação de João Fernandes Vieira e Antonio Cavalcanti ao Alto e Supremo Conselho, em 8/7/1645, documento referido por Cabral de Mello, Evaldo - Olinda Restaurada, citada, pg. 218, 219 como publicado em RIAP 35 (1888), pg.35, originalmente na BN.
(22) Obra de Evaldo Cabral de Mello - Rubro Veio, Topbooks, 1997, capitulo “O panteão restaurador”, Antonio especialmente citado pgs. 80, 91,162, 200, 213, 412, 441.
(23) Conclusões de Torres, Rosa Sampaio - artigo “Antonio Cavalcanti de Albuquerque, o da Guerra”, fontes básicas indicadas acima na nota 19.
A memorável carta enviada “Aos Senhores Holandeses” por Henrique Dias, comandante das tropas negras – composta de escravos com promessas de libertação - comprova o que acima afirmamos e dão quase a completa dimensão dos fatos.
Citamos pequeno trecho nitidamente nativista em que Henrique Dias, convocado mais uma vez pela nobreza, pois já anteriormente havia servido ao donatário Matias Albuquerque Coelho no momento da invasão dos holandeses, e que agora voltava também decidido à luta:
“Ouvida sua razão [dos moradores da terra], e conhecendo quanta razão tinham de se levantarem, pusemo-nos a caminho e viemos ajudá-los [....] Meu camarada, o Camarão, não está aqui; mas eu respondo por ambos. Saibam Vossas Mercês que Pernambuco é Pátria dele e minha Pátria, e que já não podemos sofrer tanta ausência dela. Aqui haveremos de perdar as vidas, ou havemos de deitar a Vossas Mercês fora dela. E ainda que o Governador e Sua Majestade nos mandem retirar para a Bahia, primeiro que o façamos havemos de responder-lhes, e dar-lhes as razões que temos para não desistir desta guerra”. Carta transcrita da Coleção Historia Nova – 3, As invasões holandesas, Rio, 1964. Os grifos são nossos.
(24) Observamos, especialmente, que a morte de Jerônimo Barbalho Bezerra, membro da família Bezerra aliada na guerra holandesa e já casada na Cavalcanti de Albuquerque - filho do notável comandante na guerra holandesa Luíz Barbalho Bezerra - ocorrera já no Rio de Janeiro em 1661, sendo ele enforcado e depois decapitado por machado por participação da “Revolta da Cachaça” nesta cidade, certamente a pretexto de questionamentos referentes a impostos da cachaça e carne.
Não podemos concluir ainda que os dois fatos estejam ligados, mas acreditamos que possam devem ter tido já influencias nativistas mútuas.
Em Pernambuco os conjurados, confabulando contra Mendonça Furtado, reuniam-se em casa do senhor de engenho João de Novalhaes (ou Navalhas) y Urréa, dentre os quais o juiz de Olinda, André de Barros Rego, os vereadores Lourenço Cavalcanti e João Ribeiro, estimulados nesta ocasião pelo próprio João Fernandes Vieira, então já grande devedor da Coroa.
Mendonça Furtado, num ardil dos conspiradores, foi levado a encontrar-se com uma procissão que levava os sacramentos da eucaristia, o viático, também chamado “Nosso Pai”, a ser ministrado aos moribundos e pelo costume obrigado a acompanhá-la de volta até o interior da Igreja. Aí foi intimado a entregar-se frente aos conspiradores armados, em 31 de agosto de 1666. (informações de Bittencout, A.- opus cit., pg. 296 e Souto Maior, A – História do Brasil, 6ed, 1968, pg.181-200, confrontadas com Cabral de Mello, Evaldo - Fronda dos Mazombos, citada, pg.19, capítulo “O agosto do Xumbregas”). Trata-se, portanto, de Lourenço Cavalcanti de Albuquerque casado com Mariana Uchoa e não Lourenço Cavalcanti Uchoa, conforme nos indica Cabral de Mello, porque este seu filho irá agir somente na geração posterior.
Cabral de Mello, Evaldo - Fronda dos Mazombos, citada, pg. 20, afirma sobre atividades de Jerônimo de Mendonça Furtado, depois alegadas também frequentemente contra demais funcionários da Coroa: “Afrontado a honra dos vassalos, ele administrava como um tirano, interfiria no funcionamento do judiciário, executava dívidas, seqüestrava bens, em especial das fábricas dos engenhos e nos partidos de cana, prendia e soltava ao seu talante, tudo em troca de dinheiro...”.
Mendonça Furtado era apelidado de Xumbrega - referência ao general alemão Von Schomberg, mercenário que lutara na Restauração, de bigode semelhante ao dele.
O pretexto do movimento, que culminou com a prisão e deposição Mendonça Furtado teria sido a entrada no porto do Recife de uma esquadra francesa. Os rebeldes fizeram correr a noticia que o governador estaria a serviço dos estrangeiros e que preparavam um ataque à província, seu conseqüente saque. Sobre o pretexto da prática religiosa “do Nosso Pai” o governador foi maliciosamente conduzido para a igreja. Ao sair, André de Barros Rego deu-lhe voz de prisão, sendo ele sido levado como prisioneiro à fortaleza de Brum. Os franceses desembarcados foram perseguidos – uns conseguindo refugiar-se num convento, outros presos.
Mendonça Furtado foi substituido por André Vidal de Negreiros, que já havia liderado contra os holandeses e exercido o cargo de governador por um período, capaz assim de apaziguar temporariamente os ânimos em Pernambuco.
(25) A jovem Isabel Cavalcanti era descendente do filho Antonio do florentino por seu pai Felipe Cavalcanti de Albuquerque, sendo, portanto sobrinha de Jorge Cavalcanti (Bittencourt, A.- opus cit., pg. 292). Seu pai lutara na guerra holandesa, certamente acompanhando a retirada épica para a Bahia, tendo aí se casado com Maria de Moura e voltado à Pernambuco com filhos ainda pequenos, falecendo em Ipojuca no ano de 1657. Felipe é o tronco dos Cavalcanti de Albuquerque de Gusmão do engenho Castanha Grande. Sua figura é aprofundada no artigo “O ramo do Castanha Grande”, próximo no blog http://rosasampaiotorres.blogspot.com.br . Ver mais algumas informações nota abaixo 30.
(26) Cabral de Mello, Evaldo – A Fronda dos Mazombos, citada, pg. 90, 91, usando como fonte o próprio processo de esclarecimento da morte do mascate Roque Gomes Paes.
(27) Pesquisa apresentada em Torres, Rosa Sampaio – artigo “O Ramo do Castanha Grande”, próximo no blog http://rosasampaiotorres.blogspot.com.br.
(28) Cabral de Mello, Evaldo – A Fronda dos Mazombos, citada, pg. 90, 91 tendo como fonte o processo do mascate Roque Gomes Paes.
(29) Cabral de Mello, Evaldo – A Fronda dos Mazombos, citada, pg. 90, 91, tendo como fonte o próprio processo da morte mascate Roque Gomes Paes.
(30) O abandono do engenho "Boa Vista" aos holandeses trará importantes consequências na vida de gerações futuras de Cavalcanti de Albuquerque, não só para esta nossa Isabel Cavalcanti, filha de Maria Lacerda e de Felipe C. de A., casada na aguerrida família Falcão. Os protestos de Isabel Cavalcanti pela manutenção de seu engenho acabam determinando não só a morte de seu marido na prisão, mas, a que tudo indica, irão se constituir uma das razões de conflitos da nobreza da terra com a Metrópole, justificadoras mesmo da Guerra dos Mascates. Pois nota-se que Felipe C. de A., genro de Isabel de Moura e pai de Isabel, teve ainda várias outras de suas filhas casadas na família Falcão e Falcão Eça, cujos membros, a partir desta disputa do engenho “Boa Vista”, estarão igualmente em conflito aberto com a coroa. Os Falcão e Falcão Eça com os Cavalcanti de Albuquerque participarão como lideranças da “Guerra contra os Mascates”, quando o jovem Leão Falcão d´Eça acaba mesmo morrendo nas Índias degredado e o ramo dos Bezerra Cavalcanti martirizado.
Sobre este drama familiar continuado, consultar Torres, Rosa Sampaio – artigo “O Ramo Bezerra Cavalcanti e a Guerra contra os Mascates”, inédito, com conclusões pessoais e todas as fontes indicadas. Fonte básica Evaldo Cabral de Mello, A Fronda dos Mazombos, em especial o capítulo 2 confrontado com fontes genealógicas dos Cavalcanti de Albuquerque. Notícias sobre os Marinho Falcão e Falcão Eça, aliados de Antonio Cavalcanti na guerra holandesa, artigo em preparação “Antonio da Guerra Holandesa”.
(31) Sobre o conceito de “sdegnoso”, ver nota 12.
(32) Assim sendo, teriam Jorge de Albuquerque e a Câmara de Olinda conseguido, certa vez, impedir a entrada de um magistrado régio. Cabral de Mello, Evaldo – A Fronda dos Mazombos, citada, pg.73, episódio sem data precisa, mas cujas fontes estão na Biblioteca Nacional de Lisboa, “Pombalina" 29, fls. 289-90, 292, 369-73.
(33) Cabral de Mello, Evaldo – A Fronda dos Mazombos, citada, pg. 65, com fontes.
Ver também a ‘Conspiração do Nosso Pai” comentada no texto acima, conspiração de que tanto seu pai, Lourenço C. de A., como o pai de João, André de Barros Rego, haviam participado.
O episódio da contestação nativista do jovem Cavalcanti Uchoa contra taxações de vinho e carne, ocorre trinta anos depois da morte de Jerônimo Barbalho Bezerra, filho de importante militar aliado da família, enforcado por contestação a impostos de cachaça e carne no Rio de Janeiro em 1661. Ver nota 24.
Depois deste episódio em que o jovem Lourenço Cavalcanti Uchoa quase foi deportado pelo governador Montebelo em 1691, ele já por volta de 1710 estará em sua própria casa novamente conspirando com Manuel Carneiro da Cunha e outros, agora contra o governador Castro Caldas, ocasião dos preparativos do grande levante da “nobreza da terra” contra os mascates e autoridades portuguesas que darão início a chamada “Guerra contra os Mascates” (Cabral de Mello, Evaldo - A Fronda dos Mazombos, citada, pg. 253. O autor, entretanto, não relaciona os dois primeiros fatos, pois não consegue identificar a linha genealogica).
Com a severa repressão real, ao fim da guerra (1714), Lourenço Cavalcanti Uchoa estará ainda escondido nos matos pernambucanos com outros nobres como Cristovão de Holanda Cavalcanti, Pedro Ribeiro da Silva, Duarte de Albuquerque da Silva e Martinho de Bulhões, ainda mais cerca de quatrocentos rebeldes, de lá só saindo com o perdão real (Cabral de Mello, Evaldo - A Fronda dos Mazombos, citada, pág. 516).
(34) Cabral de Mello, Evaldo - A Fronda dos Mazombos, citada, pg. 81.
(35) Cabral de Mello, Evaldo - A Fronda dos Mazombos, citada, pg 74, com todas as fontes indicadas. Ainda Torres, Rosa Sampaio “O ramo Bezerra Cavalcanti na Guerra contra os Mascates”, aberto a consultas com notas biográficas de Jorge de Albuquerque I. Também nosso trabalho “O Mazombo” próximo no blog http://rosasampaiotorres.blogspot.com.br
(36) A filha de Antonio “da Guerra”, Leonarda, havia se casado na família dos fidalgos e heróis Bezerra Felpa Barbuda, com Cosme Bezerra Monteiro. Bittencourt, Adalzira - Genealogia dos Albuquerques e Cavalcantis, Rio de Janeiro, Livros de Portugal S/A, 1965, pg. 297.
Sobre a família Barbalho Bezerra e Bezerra Monteiro, estamos terminando trabalhos sobre suas participações na Guerra contra a invasão Holandesa (Artigo “Antonio Cavalcanti de Albuquerque, o da Guerra Hondesa”) e também na Guerra da Restauração (artigo “O ramo Bezerra Cavalcanti e a Guerra contra os Mascates”), ambos em finalização e já referidos.
Relato do episódio transcrito de Cabral de Mello, Evaldo - A Fronda dos Mazombos, citada pg.77 que, na nota 68, cita como sua fonte relato do juiz Diogo Rangel em BNL, Pombalina 239, fls, 382-3.
(37) Os rebelados de Goiana, em 1º de agosto de 1692, tentavam impedir o cumprimento da ordem régia e a entrega da capitania de Itamaracá ao representante do marques de Caiscais. Cabral de Mello, Evaldo - A Fronda dos Mazombos, citada, pg. 77, resume a situação da nobreza da terra na capitania: “Segundo o seu manifesto, redigido por um carmelita de Goiana, frei João de São José, a opção era clara. Ou vassalos do monarca ou escravos do marquês [de Caiscais]. O retorno ao domínio do donatário não só as desvantagens de natureza fiscal como o também estamental, pois o soberano, já não tendo serviços a recompensar, não premiaria os pró-homens com foros de fidalgos e hábitos de ordens militares”.
(38) Jerônimo C. A. de Lacerda, filho de Felipe C. de A. tinha a responsabilidade de Capitão-Mor de Itamaracá e teria sido detido neste levante popular promovido “por este seu próprio tio Jorge”, e assim se queixado “deste tio” à El Rei (a genealogia de Jorge Cavalcanti é cruzada por nós com a de Jerônimo C. de A. Lacerda, conforme Bittencourt, Adalzira - Genealogia dos Albuquerques e Cavalcantis, Rio de Janeiro, Livros de Portugal S/A, 1965, pág. 292, 293 - Cabral de Mello, E. - A Fronda dos Mazombos, citada, pg. 87, nota 93, refere como fonte carta de Jerônimo C. A. de Lacerda ao rei D. Pedro II, carta datada de 23/ 07/ 1694).
Pela difícil situação criada, esta foi nossa interpretação dos fatos ocorridos.
Notamos que este levante popular que Jorge liderou e articulou é episódio importante, pois se constitui o antecedente historiográfico mais próximo a uma “fronda” da nobreza da terra em 1710, como a classificaria o prórpio historiador Evaldo Cabral de Mello.
(39) A que tudo indica parte de sua parentela, mais tímida políticamente, já temia o aparente destempero de Jorge.
Cabral de Mello, Evaldo - A Fronda dos Mazombos, citada, pg. 86,87, cita as insatisfações contra Jorge Cavalcanti expressas pelo prior do Carmo, pelo pároco de Goiana, por seu próprio sobrinho Jerônimo C. de A. Lacerda e também por Francisco de Barros Falcão, irmão de Leão Falcão de Mello - o marido de Isabel Cavalcanti que já havia mesmo morrido na prisão.
Notamos que posteriormente, entretanto, tanto o filho de Jerônimo, Manuel C. de A. Lacerda, quanto o próprio Francisco de Barros Falcão irão apoiar os Bezerra Cavalcanti revoltosos no levante amplo da nobreza de 1710, tomando posições francamente decididas por este movimento. Ver Torres, Rosa Sampaio, artigo “O ramo Bezerra Cavalcanti na Guerra contra os Mascates”, aberto a consultas. Cabral de Mello, Evaldo- A Fronda dos Mazombos, citada, índice onomástico.
(40) Cabral de Mello, Evaldo - A Fronda dos Mazombos, citada, pg. 87.
(41) A morte Jorge de Albuquerque e suas possíveis causas é referida em Cabral de Mello, Evaldo - A Fronda dos Mazombos, citada, pg. 87. A data da sua morte baseadas nestas cartas enviadas a D. Pedro II no ano de 1695, em AHU, PA, Pco, cx 11.
Ver ainda Torres, Rosa Sampaio - artigo “O Ramo dos Bezerra Cavalcanti na Guerra dos Mascates” com nota biográfica sobre Jorge Cavalcanti de Albuquerque I. Também nosso trabalho “O Mazombo” no blog http://rosasampaiotorres.blogspot.com.br
(42) Cabral de Mello, Evaldo - A Fronda dos Mazombos, opus cit.
Especialmente neste enfoque Torres, Rosa Sampaio - artigo “O Ramo dos Bezerra Cavalcanti na Guerra dos Mascates”, onde as relações familiares e seu entroncamento são criteriosamente pesquisados e apresentados.
(43) Informações de Cabral de Mello, Evaldo - A Fronda dos Mazombos, citada, pg. 87 e pg. 310, complementadas por informações trazidas por Maria Cristina “O Magnificat, Memórias Diacrônicas de Dona Isabel Cavalcanti”, Tempo Brasileiro, RJ, Fundação Roberto Freire, 1990, pg. 128,129. Nesta obra a autora se refere a Jorge Cavalcanti de Albuquerque II como não querendo aceitar por fim o perdão real, um sinal de sua detenção nas cinco Pontas com os demais rebeldes da nobreza, a maioria deles na última hora perdoados. A autora afirma utilizar fontes documentais, se bem não citadas por se tratar de um romance.
Consultar ainda Torres, Rosa Sampaio - artigo “O Ramo dos Bezerra Cavalcanti na Guerra dos Mascates” com nota bibliográfica mais detalhada sobre Jorge Cavalcanti de Albuquerque II.
(44) Cabral de Mello, Evaldo – A Fronda dos Mazombos, citada, pg. 87, citando sua fontes.
(45) Cabral de Mello, Evaldo – A Fronda dos Mazombos, citada, pg. 363.
(46) Cabral de Mello cita o tipo de agressão dos portugueses com cacetes. Os japoneses, sabemos, tinham como uma grande afronta o corte do rabicho de seus cabelos.
(47) Ver este episódio de humilhação sobre os nobres na historia italiana relatado por Simoncelli, Paolo – Fuoriuscitismo Republicano Florentino, FrancoAngeli, Milano, 2006. O mesmo tipo de castigo humilhante infringido no idoso João Rego Barros na descrição de Cavalcanti de Albuquerque, Maria Cristina – O Magnificat, pg 129.
(48) Ainda sobre Jorge Albuquerque ver ainda comentários Torres, Rosa Sampaio – artigo “Mazombo”, em seu blog na mídia eletrônica.
(49) Sobre os Cavalcanti e os ideais republicanos manifestados pela primeira vez na Guerra dos Mascates, consultar especialmente Torres, Rosa Sampaio - “Os Cavalcanti e os ideais republicanos no Brasil Colonia”, já publicado no blog http://rosasampaiotorres.blogspot.com/
(50) Notamos que a Isabel Cavalcanti referida neste parágrafo é a neta do florentino, a matriarca dos Bezerra Cavalcanti e não a filha de Felipe, Isabel de Moura Cavalcanti.
O tema da guerra dos Mascates pensamos ter esgotado em Torres, Rosa Sampaio – “O ramo Bezerra Cavalcanti na Guerra contra os Mascates”, já aberto a consultas.
Bibliografia específica.
Bittencourt, Adalzira - Genealogia dos Albuquerques e Cavalcantis, Rio de Janeiro,
Livros de Portugal S/A, 1965.
Barata- Carlos Almeida & Bueno, Antonio Henrique Cunha - Dicionário das Famílias.
Brasileiras, Ibero-América, 1999.
Cabral de Mello, Evaldo – O Nome e o Sangue – Cia. da Letras, 1989.
– A Fronda dos Mazombos, Cia. das Letras, 1995.
- Rubro Veio, Topbooks, 1997.
- Negócios do Açúcar – 3ª ed. Topbooks, 2003.
- O Brasil Holandês – Penguin e Cia. das Letras, 2010.
- A Ferida de Narciso, Senac, SP, 2001.
Cavalcanti de Albuquerque, Maria Cristina - O Magnificat, Memórias Diacrônicas de.
Dona Isabel Cavalcanti, Tempo Brasileiro, RJ, Fundação Roberto
Freire, 1990.
Cavalcanti de Albuquerque, Maria Cristina – Matias, Recife, Edições Bagaço, 2012.
Fernandes Gama, José Bernardo – Memórias Históricas da Província de Pernambuco,
Recife, 1844-1887, utilizada a edição do Arquivo Publico,
Estadual, Recife, 1977.
Gonçalves de Mello, J. A. – artigo “As Consequências fiscais do chamado donativo
para o casamento da rainha da Grã-Bretanha e da Paz da Holanda”, in RIAP 54 (1981).
Gonçalves de Mello, José Antonio - Tempo dos Flamengos, 4ª ed. Topbooks, 2001.
Gonçalves de Mello, José Antonio – João Fernandes Vieira – biografia, Universidade
de Recife – 1956.
Simoncelli, Paolo – Fuoriuscitismo Republicano Florentino, FrancoAngeli, Milano,
2006.
Torres, Rosa Sampaio - livreto “Família Cavalcanti de Albuquerque”, livreto, 1ª edição
em 2001, ainda restrita à família. Em revisão para 2ª edição.
Torres, Rosa Sampaio – todos os inúmeros artigos editados no blog
http://rosasampaiotorres.blogspot.com/, especialmente:
- “Conspiração Pucci & Cavalcanti”,
- “Médici X Cavalcanti”
- “Giovanni di Lorenzo Cavalcanti e seus Filhos...”,
- “Filippo di Giovanni Cavalcanti no Brasil”,
- “Os Sdegnosos Cavalcanti”
- “Mazombos” (2013).
- artigo “O Ramo do Castanha Grande”, próximo no blog
http://rosasampaiotorres.blogspot.com.br
- “Antonio Cavalcanti de Albuquerque”, aberto a consultas,
próximo livro no prelo.
- “O Ramo Bezerra Cavalcanti e a Guerra contra os
Mascates”, em fim de elaboração.